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O empoderamento do Mal



O filme da Cruella chegou. 

E somente pelo trailer, eu já tinha ideia de que o filme não me impressionaria nem por um minuto. 

E eu estava certa.

Não vou menti. Emma Stone caiu como uma luva para o papel. É uma boa atriz (vencedora do Oscar) que acabou por enfiar-se em um filme com um roteiro medíocre.

Cruella muito aparenta ser uma amálgama do filme Diabo Veste Prada cafona, com Joker do Walmart, e uma versão brega da Harley Quinn (com uma pitada de cópia do vestido maluco que pega fogo em The Hunger Games). Ademais, os figurinos pavorosos deste filme parecem designs descartados pela Lady GaGa. 

Antes de começar a postagem devo ressaltar que ela baseia-se totalmente em meus preceitos cristãos. Verdade que saí da igreja, contudo Cristo vive em mim. Se a minha fé lhe ofende ou se a sua mente é fechada o suficiente para acreditar que o filme sobre o qual falarei não tem "nada demais", és livre para ir. Tenha para si que este é um blog de opiniões pessoais. Se não gostas, siga seu caminho em paz, porque no fim do dia nada mais serei que um resquício de lembrança.

O filme, obviamente, retratará aquele velho clichê da jovenzinha criativa que tenta provar seu talento ao mundo, mas logo é desmotivada pela vilã, sempre representada por uma mulher mais velha e mais experiente. 

Porém, a Disney foi mais esperta e ainda acionou uma origem da infame Cruella completamente forçada, mas tão forçada, que só consigo imaginar que a pessoa que teve aquela "brilhante" ideia deve ter feito muito uso de drogas ilícitas. Muitas delas.

E se tratando de um clichê, por qual razão não criar uma história que seja acerca de uma nova personagem, sem precisar buscar personagens veteranos e moldar suas origens? Acaso não confiam na própria capacidade em redigir roteiros com novos rostos? Ou seria isso parte de um plano maior e obscuro que não conseguimos enxergar porque estamos muito voltados apenas para a superfície?

Não. É apenas o mero fato de uma corporação que monopolizou quase tudo, escavando o máximo possível de sua mina de ouro, raspando fundo, tentando arrancar alguma sobra de nostalgia dos demais telespectadores, pois movidos pelo sentimento de saudades pelo passado das grandes produções da Disney, comprarão e irão gostar de qualquer coisa que a dita empresa lançar, por mais ruim e deplorável que o seja.

Alguém acaso lembra-se do remake de Cinderela? Mogli? A Bela e A Fera? Dumbo? Aladim? O péssimo Rei Leão de 2019? Ou talvez, quem saiba, o mais polêmico de todos, o intragável Mulan de 2020? Observaram um padrão?! Todas estas produções citadas são requintes pioradas de animações clássicas que foram sucesso em suas respectivas épocas. É como se a Disney quisesse deletar de sua própria história que um dia esteve envolvida em animações 2D. E obviamente, em cada uma delas, é notável o quão forçadamente tentam empurrar a agenda daquela turminha de ideologias errôneas. Não tão notório e forçado como a Netflix ou Amazon Prime fazem, mas ainda assim, está lá oculto aos nossos olhos.

O que tudo isto tem a ver com o título do artigo? Estou chegando ao ponto. Eu acho.



O que escreverei a seguir foi uma coisa que pude observar ao longo destes meses, e que não observei mais ninguém falando sobre isto. Há uma grande moda na mídia cinematográfica. A moda da vez é mostrar o lado do vilão, como foi em Malévola, Joker, Aves de Rapina e, a bola murcha da vez, Cruella.

 Todavia, a Disney não quer apenas mostrar o vilão sendo vilão. Não. Com muita forçada de barra, a Disney quer mostrar que o seu vilão é uma espécie de "herói mal compreendido", e este truque fede de maneiras invariáveis. É um golpe baixíssimo contra o intelecto do espectador, além de distorcer totalmente a persona original do vilão em troca de uma mensagem irrelevante.

Sempre tive expectativa zero para assistir à Cruella por vários motivos. Bem sei que haverão críticas e mais críticas elogiando o quão "independente" e "forte" será a Cruella (ainda mais porque mesmo no trailer as únicas figuras masculinas são os seus asseclas patéticos, mas pasmem, este no novo filme eram seus amigos de infância), e em como ela é revolucionária por peitar o mercado opressor e blá, blá, blá.

Deus, o filme ainda tem a pachorra em ter dois plots twits de dar inveja em qualquer Shyamalan da vida. E nem preciso dizer que eles falham miseravelmente em sua execução. Maldito seja esse filme.

Antes de tudo, estamos nos referindo à Cruella de Vil, cujo sobrenome remete a tradução de Devil que nada mais é que "diabo". Mas, não fiquemos apenas na nomenclatura, pois isto não quer dizer nada, pois até o próprio diabo dantes tivera nome de anjo. Cruella é aquela sociopata maníaca, manipuladora e egocêntrica, que fez de tudo para fabricar um casaco de pele feito de dálmatas, inclusive tentou comprá-los de seus donos e no mais extremo dos casos, sequestrou os filhotes. Isso mesmo. Um casaco feito com pelo de filhote de cachorro. Não apenas isto, mas Cruella usava de várias artifícios maquiavélicos para obter o que queria, embora a animação de 1961 apenas a retratasse como uma mulher histérica e obsessiva, uma verdadeira chaminé humana que dirige enlouquecida pelas ruas sem largar-se de seus cigarros. Ainda assim, ela era má, como o seu nome. Se matar animais para fazer algo tão fútil como casacos não é uma coisa repulsiva para você, então, eu sinto muitíssimo. 

Caramba, ela até tinha uma música cantada especialmente para descrever o nível de vilania da criatura.

"Cruella Cruel, Cruella Cruel.
É mais traiçoeira do que uma cascavel.
Em suas veias só circulam fel.
Cruella, Cruella
Em suas veias só circula fel.
Cruella, Cruella Cruel.
Eu tenho bem certeza que Cruella,
Veio de um lugar que é bem cruel.
Seus olhos são de alguém,
São de alguém que vem do além.
E esse além, eu sei, não é do céu."


E por que estou falando deste dito filme? Ora, bolas, vindo de uma empresa que não fez nada de bom nos últimos sete anos e vive apenas de reboots e remakes como se não houvesse o amanhã, o que mais eu deveria esperar dessa joça? 

Muitos estão dizendo que este filme retrata uma Cruella "mais humana", passando por problemas reais, e sobre como as pessoas recusavam-se a ajudá-la por pensarem que ela era uma "psicopata" (palavras estas, ditas pela própria Cruella no trailer), ou sobre como os dálmatas criaram um trauma nela. 

É nesse nível pra baixo.

Eu nem deveria estar surpresa. Afinal, o mundo jaz no maligno. 

Não sei como podem acreditar nesta balela de Cruella humanizada. Como se a Disney tivesse a capacidade ou coragem em fazer um filme sombrio que lidasse com transtornos mentais... Joker fez isto, mas ele é um filme para maiores de 18 anos. Ele não se prende em um enredo de "origem de vilão" ou em tentar transformar o Coringa em um herói. Joker é um drama sobre um homem com vários transtornos mentais, abandonado à própria sorte pela sociedade e acaba por tornar-se um monstro. Uma trama deveras pesada e obscura que eu jamais verei em algum filme da Casa do Mickey Mouse. Estamos falando sobre a Disney, galera, a Terra da Fantasia.

Cruella não veio com a intenção de mostrar como mulheres novatas sofrem e são humilhadas no mercado de trabalho, ou mesmo, mostrar como "empoderá-las". Não! A sua intenção nitidamente é outra, e diria que esta fórmula já foi usada até mesmo em Descendentes, outra produção da Disney, mas que não falarei nela.

Lembram-se de Malévola? Aquela super produção que levava o nome da Angelina Jolie? Tenho quase certeza de que esse filme só não foi um completo fracasso por causa da presença icônica da Jolie. O que aquele filme nos mostrava? Que a Malévola era uma fada diferente, que era boa e muito ligada com a natureza, mas que foi traída por um homem que arrancou as suas asas, e por isso ela se tornou má. Quando aquele homem virou rei, ela invadiu o castelo no dia do nascimento de sua filha, e a amaldiçoou. Nem preciso dizer que o rei é o vilão, e é tratado como o ser mais desprezível da face da Terra, porque, óbvio, Malévola não poderia ser mostrada como a "maligna" da história. Até as coisas más que ela fez, tiveram boas consequências.

Malévola não foi humanizada. Ela foi transformada em uma vítima. E isso destruiu completamente a figura dela ser a vilã. Ela não é mais uma vilã. É apenas uma mulher bonita fazendo cosplay de uma fantasia com chifres, enquanto desfila com seu belo sorriso em batom vermelho. O nome dela já descreve quem ela é. Ela é o puro mal. E em seu filme, ela simplesmente é apenas uma fada que foi traída por um humano malvado.

Oh, o horror. A traição. Os machistas.

Na animação, no conto original, ou qualquer que seja a fonte, ela nunca foi retratada ou recebeu um lado bom, não porque no passado os vilões careciam de mais personalidade, mas porque ela foi criada para ser deste jeito. Ela é o puro mal. O mal em forma de sarcasmo e classe. Ela não era uma vilã histérica ou mesmo atrapalhada. Malévola era dissimulada e deveras inteligente. Ela nunca precisou de motivos para fazer o que fazia. Apenas fazia o mal porque queria ver o caos acontecer. Malévola foi uma bruxa que simplesmente amaldiçoou uma recém-nascida, porque ficou com raivinha por não ter sido convidada para o castelo. Simples assim. Não precisava de um backstory enfadonho sobre ela ser isso ou aquilo e ser traída pelos humanos super malvadões.

Você não precisa criar uma história de origem para um vilão, parecido com um roteiro tirado de uma novela mexicana. Nós tínhamos a Úrsula, a vilã da animação A Pequena Sereia, que era simplesmente magistral. Era elegante, orgulhosa e tinha momentos divertidos. Ela era carismática e nunca precisaram forçar uma origem para ela (sei que há um livro escrito sobre ela, mas não focar-me-ei neste pelo simples fato de fugir do cânone). E quanto a Scar? Ele simplesmente matou o próprio irmão e tentou matar o sobrinho, e ainda assim, era um personagem que todos gostavam? Por quê? Por causa de seu carisma. Porém, estes dois últimos citados pagaram o mal que fizeram, porque o mal com o mal se paga, diferente das novas mensagens a Disney tenta pregar atualmente.

No caso de Cruella, mostraram uma história de como ela era sofrida, uma garota diferente e vista como doida por muitos, coisa completamente desnecessária. Tudo isso, para no fim, aprovarmos as suas más ações, porque claro, coitadinha como ela sofreu, ela precisa triunfar sobre o mal fazendo mal. E tenho certeza de que ela sairá vencedora, primeiro porque o filme carrega o nome dela, segundo porque ela sendo mulher não pode ser castigada, e terceiro porque nenhum vilão da Disney recebe mais o castigo que merece. Lembram da Namaari da frustrante animação Raya e o Último Dragão que já falei aqui no blog? Pois é.

É como se nos dissessem: faça o mal a quem quiser, afinal, você é a vítima de sua própria história.

Nunca foi um filme sobre empoderar (argh, que palavrinha mais asquerosa, vou lavar-me com sal grosso depois disso) mulheres. Há algo mais sombrio do que pensamos.

Por que essa obsessão em tornar o mal em uma coisa boa? Qual seria a verdadeira intenção em romantizar as más ações de um vilão?

Qual será o próximo vilão que contarão seu desnecessário ponto de vista? Madame Medusa do filme The Recuers?! Oh, sim, seria deveras interessante cobri-la com o véu da vitimização, enquanto culpamos Bernardo e Bianca, ou mesmo a pequena Penny, por seu passado traumático. Não esqueça de culpar ratos e órfãos para criar uma backstory para uma personagem que foi criada com a finalidade em ser má.

Não estão tentando humanizar o vilão, que é uma coisa completamente diferente, estão apenas mostrando como ele é uma "vítima", "um coitadinho". Glamourizando a psicopatia. Forçando o espectador a sentir piedade por alguém que mata animais para transformar em casaco de peles. 

 


Nota off: já existiu 2 filmes sobre os 101 Dálmatas que retrataram Cruella de Vil como a vilã principal. E Glenn Close era simplesmente fantástica, atuava de forma fenomenal. Uma vilã carismática que nunca precisou de uma história de fundo sobre ela ser isso ou aquilo. Cruella era má, ela era queria um casaco de pele feito de dálmatas, e nem por isso, era uma vilã detestável. Adorávamos a sua classe, sua atitude altiva e a sua energia, coisa que a nova Cruella não tem. 
Quando penso em Cruella imediatamente penso em Glenn Close e nada irá tirar isto de minha mente.

Voltando ao Cruella de 2021.

Cruella não empodera mulheres. Ela empodera a maldade, a psicopatia e a crueldade escondida em cada um de nós, louvando aquilo nos transforma em seres bestiais, como o rancor, o ódio e a vingança. E não há nada de bom em tais sentimentos. Muito me surpreende uma empresa como a Disney colocar este tipo de mensagem em um filme destinado a um público jovem. Um filme com uma moral deturpada e persistente.


A Disney muito perdeu-se no caminho. Os executivos engravatados não estão preocupados com narrativas surpreendentes que serão levadas no consciente dos miúdos por muito tempo. Ao invés, preferem ver o lado lucrativo das coisas, forjando histórias que ninguém quer saber e refazendo filmes que outrora eram bons, e que agora, ninguém se importa. Engraçado, como uma empresa que antes surgiu da ideia de um simplório homem em fazer a infância de muitos, e que carrega o nome deste mesmo homem, agora, destrói a infância de outros com produções fracas e remakes desnecessários de suas próprias relíquias.


Bye, bye. 


Comentários

  1. Artigo espetacular!!
    Vc notou coisas que nem eu mesma havia notado.

    Tá de parabéns.

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  2. Sammy do céu, que post incrível.
    Sou uma disneylover mas até eu admito que os filmes de hoje em dia estão estranhos.

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    1. Disponha, sua fofa.

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    2. Eu que agradeço por vc fazer um artigo sobre o meu pedido. Muito obrigadaaaaaaaa.

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    3. Foi divertido escrever este artigo.

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  3. E aquele plot twist porco sobre uma certa pessoa ser a mãe de um certo alguém...

    Mano.. 💀

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  4. Aquele plot twist ridículo dos dálmatas terem traumatizado a Cruella/Stella me deu foi vontade de rir. Sério que alguém escreveu o roteiro e pensou: "uau, vou transformar os dálmatas em vilões!"
    PQP!!

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    1. Pior plost twist da História dos piores plots twists.

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  5. E o filme se vende como uma espécie de filme revolucionário/anárquico para no fim nem mexer nestes temas. Cruella poderia pichar casas, incendiar cidades, mas não. Ela não é "malvada". Foi a escola com aqueles meninos malvados que a fizeram assim. Sinto que foi um boomer quem escreveu esse roteiro. Sem falar nos personagens que trocaram de etnia, hein, dona Disney, achou que eu não ia perceber?

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