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Livro: Pigmalião



Título original: Pygmalion
Autor: George Bernard Shaw     Adaptação: Júlio Emílio Braz
Páginas: 143 páginas
Editora: Principis
Ano: 1912
Sinopse: Na trama adaptada para prosa pelo escritor Júlio Emílio Braz, o renomeado foneticista e professor Henry Higgins faz uma aposta, e uma espécie de experimento com o coronel Pickering, para transformar uma florista comum, Eliza Doolittle, em uma senhora bem-educada, simplesmente mudando seu modo de falar e de se vestir. O objetivo final é fazê-la passar por uma "duquesa" na festa que o embaixador oferecerá em seu jardim. Eliza, achando que esta é a grande oportunidade para realizar o sonho de ter, no futuro, sua própria floricultura, concorda com o "projeto". O resultado é afiado e divertido.


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Uma moça bonita, porém inculta e com modos rudes, que ganha a chance de se comportar como uma dama e vestir-se bem, e assim, descobrir que ela possuía um valor ainda maior. Onde será que já vimos esta trama? Certamente, em muitas novelas mexicanas. Tal trama já foi testemunhada entre tantas outras vezes na grande tela, tais como em Uma Linda Mulher, Ela é Demais, Namorada de Aluguel, Ruby Sparks, Miss Simpatia e o próprio My Fair Lady.

Algumas vezes costumo escrever resenhas com spoilers, mas não conseguirei explicar porque gosto tanto deste livro sem falar sobre o final. Antes de mais nada, o musical “My Fair Lady” e o filme homogêneo de 1965 são baseados nessa peça a ponto de muitas cenas serem até palavra por palavra. As diferenças entre o musical/filme e este livro, porém, são enormes, em minha humilde opinião.

Já digo logo de cara que o livro "Pigmalião" se tornou o meu preferido. ❤️

"Os cabelos negros estavam escorridos e muito molhados, respigando a chuva que encharcara sua roupa modesta e por demais gasta. Apesar da aparência desleixada, ninguém entre aqueles que a rodeavam lhe daria mais de vinte anos, e, embora não fosse extraordinariamente bonita, nenhum deles a consideraria feia." (página 13)


A história de “Pigmalião” é sobre o professor Henry Higgins e Eliza Doolittle. O professor Higgins é um foneticista rabugento de comportamento intolerável, quase beirando o antissocial, que faz uma aposta com Pickering, um homem de modos mais gentis e dóceis, para transformar Eliza de uma pobre florista em uma duquesa apenas fazendo-a falar corretamente seu idioma e melhorando sua postura.

Apesar do que muitos pensam, este livro nem de longe é um romance com direito a beijos melosos, mas sim, trata-se do desenvolvimento de uma personagem intrigante que aos olhos de muitos era vista como incorrigível.



O musical/livro My Fair Lady realmente se concentra no desenvolvimento do personagem do professor Higgins. Eliza tenta exercer sua independência, mas ela retorna para Higgins como uma esposa abusada que retorna para um marido rabugento e abusivo. Os figurinos e a música são tão bonitos que tentamos acreditar que Higgins está realmente apaixonado por Eliza, embora não haja absolutamente nenhuma prova disso. Os atores são ótimos no filme, mas achei a história perturbadora. A aula era muito centrada no homem, e a independência de Eliza não significava nada no final. Ela voltou para buscar os chinelos dele. Nada mudou para ela. Enquanto que no livro, Eliza era mais decidida e firme, recusando-se a abaixar a cabeça para um homem tão autoritário. Nesse instante, não citarei mais nada a respeito do filme, pois em nada me agradou.

"Tudo parecia uma grande perda de tempo, loucura de um homem que parecia obcecado em fazê-la repetir à perfeição tais palavras, sem levá-la a qualquer lugar ou constatação, a não ser, claro, a de que estava diante de um rematado idiota ou louco." (Página 78)


A lenda de Pigmalião ou Pigmaleão (que curiosamente ganhou o nome de um efeito também, Efeito Pigmalião), segundo a mitologia grega é sobre um rei que esculpiu uma estátua da qual considerava a mulher ideal, e apaixonando-se por ela, implorou para que Afrodite desse vida para sua adorada Galateia, com quem casou-se e teve uma filha.

Entretanto, diferente da lenda, o livro não segue por este rumo.

Desde o momento em que “Pigmalião” foi escrito, o leitor tentou criar esse tipo de laço romântico inexistente entre Eliza e Higgins. Isso fez com que George Bernard Shaw escrevesse um longo epílogo explicando por que um final romântico como esse era impossível, e eu concordo plenamente com o Sr. Shaw sobre isso!

O musical “My Fair Lady” retrata personagens inconsistentes e rebaixa as mulheres. “Pigmalião” é muito mais consistente e uma das melhores representações de mulheres que já li.

Em “Pigmalião”, Eliza é realmente o foco, e não apenas um ratinho de laboratório, um objeto a ser moldado a bel-prazer de seu criador. Higgins se considera o perfeito cavalheiro vitoriano que está criando uma obra de arte como na história grega de Pigmalião, no entanto, a personalidade do foneticista é intragável pois o mesmo se considera superior às outras pessoas.

Eliza, ainda na sua era da ignorância, fica a par de que ela era um experimento nas mãos de Higgins e Pickering e parece não importar-se com isso. Mas assim que ela ganha moralidade e dignidade, duas coisas importantes que antes não tinha, ela fica furiosa e bastante chateada pois desde o começo aqueles que a transformaram em outra pessoa a viram apenas como um objeto. E após o experimento? O que seria dela? E após ganha a aposta, para onde iria Eliza? Higgins sempre a enxergou como a pobre florista ignorante, mesmo quando ela já sabia falar e andar corretamente e se vestir com elegância. Tanto é que a tratava como empregada, fazendo-a pegar seus chinelos ou obrigando-a a comprar sanduíches para ele, e nenhuma ou outra destas coisas que ela não faz.

 O que aprendemos no final, porém, é que Eliza sempre foi uma pessoa de valor, mesmo antes de Higgins aparecer. Eliza aprendeu a ser uma dama com Pickering porque ele a tratou como uma dama desde o início. Higgins tratou Eliza horrivelmente desde o início e nunca mais parou. Não foi o discurso de Eliza que a tornou uma dama porque descobrimos que ela tinha um ouvido fantástico tanto para a fala quanto para a música; em vez disso, era como ela era tratada que importava. Higgins nunca aprende isso. Suas maneiras horríveis e grosserias o separam da boa sociedade, enquanto Eliza brilha por onde passa. 

Higgins era rude e possuía um caráter insuportável, tanto é, que sua própria mãe não gostava de sua visitas, e não havia educação no mundo que o moldasse em alguém melhor, diferente de Eliza que mesmo nascendo na sarjeta, tornou-se uma dama de educação invejável.

Eliza, no final de “Pigmalião”, escolhe se casar com Freddy, que a amava desde sempre, creio que no momento em que ele a viu como sendo uma simples florista (embora o mesmo não saiba disto). Isto é como deveria ser. Se ser amado e apreciado era tão importante para Eliza, por que ela escolheria voltar ao tratamento horrível que dava à Higgins? Ela e Freddy abrem uma floricultura com a ajuda de Pickering. Eliza fica perto de Higgins como ela faz com seu próprio pai terrível, mas ela aprendeu a se respeitar, e principalmente, ter amor próprio. Uma vez que uma pessoa aprende a se valorizar, ela não pode permitir que outra pessoa tire vantagem dela outra vez. Em outras palavras, Higgins perdeu o poder que tinha sobre ela.

Conheço muitas pessoas que acham que esse final ruim. Eles gostam dos modos agressivos de Higgins, e achavam que Eliza podia "mudá-lo" com o poder do amor. Tolice! Acho que essas são as mesmas pessoas que leem romances em que o personagem masculino estupra a personagem feminina sob o nome de algo “romântico”. Não gostei por nenhum segundo do personagem de Higgins, por toda a sua mesquinharia e futilidade, e fiquei muito grata por ele ter permanecido solteiro, embora, com o tempo, essa condição de "solteirice" acaba virando solidão, e talvez, seja tarde demais para ele perceber isso.

A personagem de Eliza aprendeu a se erguer e a fazer suas próprias escolhas. Esta não é uma história da Cinderela como tantas pessoas queriam que fosse. A alma de Eliza ainda é a mesma. Ela é uma sobrevivente e uma lutadora. É preciso uma mulher muito forte para enfrentar um homem insuportável como Higgins, que pode distorcer as palavras para conseguir o que quer. Ela é o que uma mulher deveria ser e ainda recebe o apoio da mãe de Higgins em sua batalha pela independência. George Bernard Shaw entendeu bem o que uma mulher deseja e valoriza. Eliza não usa dos mesmos métodos sujos de Higgins para revidar, tais como usar de palavras pejorativas ou tocar no passado do outro. Com sua doçura e serenidade ela já tornou-se vitoriosa. Eliza não depende de Higgins e é isto que o assusta. Sua "criação" andando com as próprias pernas, pensando por si, sem a necessidade de que ele mastigue as palavras por ela e as ponha em sua boca.

No fim de tudo, Eliza era mais grata a Pickering que desde sempre tratou-a com gentilezas, chamando-a de "senhorita", e incentivando-a a estudar com palavras carinhosas. E isso me faz até mesmo refletir no modo em como educamos nossas crianças, achando que berros, surras, ameaças e palavras pejorativas servem de incentivo, quando na verdade, só repelem as crianças do caminho do conhecimento.


"O senhor consegue imaginar o que eu teria me tornado se dependesse apenas do exemplo desastroso do professor Higgins? Somos frutos da mesma educação, criaturas descontroladas, presas fáceis de um temperamento intempestivo que a qualquer simples contrariedade ou irritação se materializava em palavras violentas e em uma grosseria sem limites." (Página 129)





Higgins não é Pigmalião, embora quisesse ser. Ele não ama Eliza, embora, por parte dela, exista um sentimento por ele. Talvez, sentimento de pena, porque ela sabe que ele se tornará um velho solteirão sem ninguém ao seu lado quando findar os seus dias. Higgins não ama sua criação, pelo contrário, ele possui um desejo orgulhoso e rancoroso em gabar-se de como "mudou" Eliza, tirando dela qualquer crédito pela genuína mudança. Eliza consegue mostrar que sempre teve valor desde o início.

Eu recomendo este livro para jovens e adultos, e especialmente, para as garotas da nossa geração. Que as mulheres leiam isso e aprendam a esperar mais de seus relacionamentos. Eu gostaria que as mulheres olhassem para este retrato de uma personagem feminina e verdadeiramente forte e vissem que você não precisa se casar com o valentão só porque pode se importar com ele, ou porque pode "mudá-lo". O amor é mais do que compaixão. Eu gostaria que as mulheres parassem de escrever livros “românticos” baseados em relacionamentos abusivos, como tantas outras porcarias que fazem sucesso no mainstream e viram filmes ainda piores. O Sr. George Bernard Shaw entendia as mulheres melhor do que certas mulheres entendem a mente feminina. 

O trabalho de adaptação do escritor Júlio Emílio Braz foi essencial, pois tornou a experiência de ler Pigmalião em algo prazeroso e nada arrastado.

"Você mudou, sua tola. Agora você não é mais aquela pedra que eu chutaria antes de continuar meu caminho. Agora você se mostrou uma torre imponente e sólida que está realmente à altura tanto de mim quanto de Pickering. Eu, você e ele formaremos um trio formidável de solteirões e amigos, e não dois homens e uma pequena idiota." (Página 139)


Nota: a edição que tenho da Principis colocou erros gramáticos propositadamente, tanto por causa da fala de alguns personagens para simular que não possuem a devida educação, quanto para replicar como seriam seus sotaques.


Sobre o autor: George Bernard Shaw nasceu em 1856, em Dublin, na Irlanda. Ao longo da vida escreveu mais de 60 peças. Ele é a única pessoa que recebeu o Prêmio Nobel da Literatura (1925) e um Oscar (1938). O primeiro prêmio por suas contribuições na literatura, e o segundo, por seu trabalho no filme My Fair Lady. Morreu aos 94 anos.





O livro foi comprado por mim. Não é um livro parceria.

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