Nota inicial: Nossas Escolhas foi uma WebSérie (ou deveria ter sido) que escrevi em meados de 2014. Naquela época, eu não sabia muito bem o que eu queria escrever e acabei por atrapalhar-me. Entreguei uma série à toa, e aos poucos, eu mesma ficava desmotivada. Aqui, eu explico bem mais sobre ela. Continuando; foi um projeto da qual tive momentos de diversão, encontrei leitoras maravilhosas e fiéis, e houve outros momentos de puro enfado, e cada vez mais, a mensagem principal ia perecendo. Trago-o, agora, seis anos depois, em forma de conto, sem ganchos para possíveis outros capítulos. Salvo aqui, somente os nomes dos protagonistas. O resto, todo ele, foi modificado. Espero que compreendam o que eu fiz. Ao final, deixem vossos comentários. Irei adorar lê-los.
4638 palavras.
🌸🌿🌸
Ela ia morrer.
E eu não estava com cabeça para aquilo.
O hospital havia tornado-se o meu lar. As paredes brancas oprimindo minha visão. A cadeira de plástico, transformou-se em meu leito. O bip da máquina era maçante e meus olhos, por vez ou outra, vacilavam em fechar, e eu fustigava-me, com beliscões no dorso de minha mão esquerda.
As gotas no soro preso no suporte de ferro pingavam lentas. Entendiantes. Testemunhar minha mãe, naquele estado, deixava-me deprimido. Moribunda, deitada no leito, presa a tantos cateteres, afundada em uma magreza extrema e em uma palidez severa que nem ao menos assemelhava-se a mulher bonita que outrora fora. Os cabelos, ralos, quase inexistentes, cobrindo a cabeça que repousava apática sobre o travesseiro. Aquela era a minha mãe, precisava lembrar-me constantemente. Sabia que ela não conseguia dormir regularmente. Forçavam-na diversos medicamentos para que pudesse adormecer e esquecer a dor. Como se fosse possível.
一 Ela precisa de um novo coração, ou morrerá 一 essas foram as duras palavras do médico para mim. Palavras que escutei em um eco surdo e nada comovente.
A lista de espera é longa e quase não existem doadores compatíveis.
E eu nada posso fazer por ela. Sinto-me um lixo. Um imprestável. Um filho que nada pode fazer por sua mãe doente, a não ser assisti-la definhar dia após dia, enquanto chamava por meu nome em meio a uma voz envolta de dolorosa lamúria, com tantos fios presos ao peito.
A vida estava levando tudo de mim.
Primeiro, levou o meu pai, que morreu pela imprudência de um motorista bêbado. E agora, estava tentando tirar a minha mãe de mim. A única pessoa que era importante para mim. Minha única família.
Não estou preparado para perdê-la.
Levanto-me da cadeira, dando uma última olhada para ela. Precisava ir para o meu trabalho. Um emprego que consegui com muito esforço em uma lanchonete que fica a poucas quadras do hospital. Sem dinheiro, sem regalias no hospital. Necessitava ser forte por nós dois. Mesmo estando quebrado em um milhão de pedaços.
Saio pela porta de vidro giratória do hospital. Olho o céu cinzento, ameaçando mais uma vez, derramar-se em violenta chuva. Nunca há sol nesse lugar, e, aparentemente, nunca há luz em minha vida.
Coloco os fones em meu ouvido. Subo o capuz da minha jaqueta, enfrentando alguns pingos de chuva que correm pelo rosto, misturando-se com as minhas lágrimas.
***
Limpo a vidraça da lanchonete naquela noite. Tento evitar de olhar meu reflexo, porém, acabo não conseguindo. Detesto o que vejo. Um rapaz de opacos olhos cinzentos e sem vida, manchas arroxeadas debaixo dos mesmos, quase assemelhando-me a um urso panda. Cabelos pretos, despenteados, e bastante magro, quase curvado, como se eu carregasse um fardo imenso nas costas. Este sou eu. Esse rascunho de gente.
Do outro lado da vidraça, observo um grupo juvenil e sorridente, protegidos por seus guarda-chuvas. Um rapaz loiro, alto, de boa aparência, acompanhado por uma garota de cachos ruivos, e uma outra que tem longos cabelos castanhos. Noto o outro rapaz do grupo, um moreno forte, com jaqueta esportiva. Todos dispersando risos, como se pertencessem a um comercial de creme dental. Reconheço-os. Eram da minha turma do terceiro ano. Vivem alegremente suas vidas como universitários. Não tem tempo para notar uma figura fantasmagórica como a minha, a limpar a vidraça.
É isso o que sou. Um fantasma.
***
No dia seguinte, após uma noite mal dormida, tranco a porta do meu minúsculo e deplorável apartamento, e religiosamente, vou para o hospital. Caminho para a recepção e assino o meu nome, embora, talvez nem seja mais necessário. Estou há um ano indo e vindo para este lugar. Metade das enfermeiras devem saber o meu nome. Colo um adesivo na minha jaqueta. E direciono-me para o corredor, na qual está o quarto da minha mãe.
Observo uma garota parada no corredor, como se esperasse por alguém. Deve ser um ano mais nova que eu. Carrega um livro nas mãos, e usa uma incomum mochila felpuda de urso azul. Arqueio uma sobrancelha. Que tipo de adolescente usaria uma mochila assim? Dou mais uma olhada nela. Calça galochas vermelhas, uma saia jeans desbotada, e usa um suéter listrado em preto e branco, além de um cachecol cor de rosa. Possui cabelos muito curtos e eriçados. Claros, como um raio de sol. Não consigo olhar seu rosto, pois está de costas para mim. Passo por ela, de cabeça baixa, pois caso não saibam, sou o cara mais inseguro da face da Terra.
一 Nossa! Você é tão cinza! 一 ela diz, sua voz suave como sinos de vento, o que faz-me virar automaticamente em sua direção.
O que diabos essa garota está falando? Talvez, tenha se referido a cor dos meus olhos, mas ainda assim, a forma como falou, deixou-me atordoado, como se me conhecesse. Como se fossemos velhos amigos. Fico sisudo com o que ela acabou de falar-me. Percebo que ela está olhando diretamente para mim, e com nitidez, consigo contemplar o rosto dela. Seus olhos azuis cravados na minha face. Ela resplandece. É como se seu rosto estivesse iluminado por uma espécie de luz sobrenatural.
一 Não tenho tempo para isso 一 resmungo, girando nos calcanhares.
一 Uma pena, pois estou aqui por você.
Outra vez, viro-me para ela, analisando suas vestes atípicas. Ela ainda mantém um sorriso no rosto.
一 Isso é alguma piada?
一 Não. Sou péssima contando piadas. Certamente, você ficaria entendiado ouvindo-me.
一 Diga logo o que quer. 一 olho de soslaio para o corredor.
一 Não se preocupe com a sua mãe, Felipe. Ela ficará bem. Ela é uma mulher realmente forte. Eu queria ser tão forte quanto ela.
一 O que está dizendo...? 一 e por que ela age como se fosse mais velha que eu?! 一 Certo, garota, quem é você e como sabe o meu nome?
Aponta para o próprio peito, obrigando-me a abaixar meu rosto, e então, percebo a forma evidente de como ela soube o meu nome. Maldito adesivo!
一 Não é como se você possuísse poderes psíquicos. Qual é o seu nome?
一 Não posso lhe dizer.
一 Por que não?
一 Quando dizemos o nosso nome, meio que nos apegamos às pessoas. Não quero que se apegue à mim, pois não tenho intenção em ser sua amiga.
O que essa maluca está dizendo? Minha paciência está por um fio. Mas, ainda assim, não consigo sair do mesmo lugar, como se os meus pés estivessem plantados no chão.
一 O que faz aqui no hospital? 一 pergunto. 一 Nunca a vi por aqui.
一 Não sei como vim parar aqui. Estranho, não?
Espalmo a mão sobre a testa. Ela definitivamente está testando a minha paciência.
一 E como soube da minha mãe?
一 Escutei as enfermeiras falando sobre ela. Fiquei com muita pena.
Observo o livro que ela carrega em mãos. É uma Bíblia. Oh, não me diga que ela é uma daquelas pessoas religiosas que visitam os enfermos no hospital? Não leve-me a mal, mas detesto esse tipo de gente. Agem como santos, como se apenas uma oração fosse resolver toda uma vida de enfermidades. Minha mãe já recebera tantas visitas assim, e toda a vez, acabo por ficar cada vez mais cético, pois não vejo melhora alguma.
一 Você disse que estava aqui por mim?
Ela assente.
一 O que quis dizer com isso?
一 Você pergunta demais, Felipe. 一 ajeita a mochila de urso nas costas. 一 A curiosidade matou o gato, sabia?
一 Garota, caso não saiba, não estou com muito tempo!
一 Cinco dias.
一 Cinco dias de quê?
一 Virei aqui por cinco dias. Não sei porquê estou dizendo esse número, mas foi o único que me veio à mente. E no último dia, lhe direi o meu nome. Levando em consideração que hoje é o primeiro dia, então, restam quatro.
一 Você é maluca.
一 Pode ser 一 dar de ombros.
Assim que viro-me, a garota loira praticamente sumira do corredor.
***
No dia seguinte, quando faço o mesmo trajeto para o hospital. Fico um pouco no quarto de mamãe, e quando enfim a tarde cai, indicando que devo ir para o meu trabalho, saio do quarto, dando uma última olhada em minha mãe, que ainda está adormecida devido aos remédios. Encontro a garota loira sem nome, novamente no corredor, vestindo as mesmas roupas do dia anterior. Talvez, esteja com a roupa na lavanderia, não vou julgá-la. Por vezes, visto a mesma jaqueta por dois dias seguidos. Não tenho tido tempo para lavar as minhas roupas, desde que mamãe ficara hospitalizada.
Vou até ela, que recepciona-me com um sorriso largo. Mais largo que o normal.
一 Olá, Felipe. Creio que este seja o nosso segundo dia. Alguma pergunta para fazer-me?
一 Ontem você me disse que eu era cinza. Foi a primeira coisa que você disse para mim.
一 Estou quase certa que sim. 一 batuca o dedo indicador nos lábios, com os olhos para cima, como se estivesse atrás de uma confirmação em sua mente, para a minha pergunta.
一 O que quis dizer com isso? 一 e indubitavelmente ela não disse por conta da cor dos meus olhos.
一 Você é todo cinzento, Felipe. Está sempre cabisbaixo, de ombros caídos, olhos focados no chão. É a melancolia em pessoa. Se houvesse uma figura no dicionário para descrever esta palavra, sua foto estaria ao lado dela. Tente sorrir mais vezes. Sorria, mesmo que a vida esteja dura.
一 Escuta aqui, garota 一 minha voz se eleva um pouco 一, com qual autoridade você acha que pode dizer esse monte de asneiras? Como acha que posso sorrir, se a qualquer momento, minha mãe pode vir a falecer? Como quer que eu sorria, se eu não tenho razão alguma para isso? 一 finalizo meu desabafo, com a visão turva.
一 Desculpa. Não sabia que eu ia te ofender tanto. Mas, veja o lado bom. Ao menos, a sua mãe está viva, não está?! 一 abre um sorriso para mim. 一 Ainda pode vê-la e falar com ela, e acho que somente isso, já é motivo o suficiente para sorrir. Não significa que Deus pode ter grandes planos para ela?
一 Vá à merda! 一 esbravejo, pisando duro no chão. 一 Você não sabe de nada, garota. Só... desapareça!
Ela aperta o livro encouraçado contra o peito. Os cabelos curtos emoldurando o rosto, que volta-se para o chão. Ela não me encara mais ou mesmo replica o que lhe disse. Apresso meus passos, para ir para o trabalho, que a propósito, eu já estava atrasado (e sendo sexta-feira, o trabalho seria dobrado). Olho mais uma vez para trás, e ela, outra vez, sumiu.
***
Após a noite puxada de trabalho, volto para o meu apertado apartamento, e viro-me na cama a todo instante, pensando no que ela me dissera.
Ao menos, a sua mãe ainda está viva. Ainda pode vê-la e falar com ela.
Creio que eu fui muito duro com ela. Provavelmente, ela tenha perdido alguém na família, por isso, visita o hospital todos os dias, assim como eu.
Fui um bruto, rude e imbecil. Não deveria ter dito aquelas coisas para ela, daquela forma tão banal. Sufoco aqueles pensamentos com o meu travesseiro. Vou pedir desculpas. Prometo. Não é justo descarregar a minha raiva em outros, somente porque meu mundo está desabando.
***
Assim como nos dois dias anteriores, encontro-a no mesmo corredor. Com a mesma roupa. Começo a cogitar se essa garota não mora no hospital. Está parada perante o quarto da minha mãe, bisbilhotando pela janelinha de vidro da porta. Aproximo-me sutilmente dela. Parece concentrada, como se assistisse a uma peça teatral.
一 Desculpe-me. 一 sussurro para ela.
一 Pelo o quê?
一 Por ontem. Eu não queria dizer metade daquelas coisas. Eu estava com raiva, e quando temos raiva, acabamos por falar um amontoado de besteiras.
一 O ontem pertence ao ontem. E não tenho tempo para guardar rancor.
Dou de ombros. Ela realmente é muito estranha e misteriosa, e isso acaba por fascinar-me.
一 Você tinha que conhecê-la antes da doença. 一 digo para a garota loira. 一 Minha mãe era uma ótima pianista, e o meu pai, era violoncelista. Tocavam em concertos, encantavam por toda a parte. Até eu mesmo, inspirado por eles, atrevi-me a tocar violino.
一 O que aconteceu? 一 ela olha-me com seus suplicantes olhos azuis. 一 Tudo bem se não quiser falar.
São como pedras em meu coração, alojando-se cada vez mais dentro de mim, quase alcançando o fundo de minha alma. Tenho de pôr para fora.
一 Papai morreu, por culpa de um motorista bêbado. Um acidente estúpido levou a vida de um homem talentoso e de um bom pai. E depois, mamãe caiu em um mundo de tristezas. Repentinamente, adoeceu. Disseram que seu coração estava doente. Precisa urgente de um transplante.
一 Ela é forte.
一 Você que pensa.
一 Não, Felipe, acredite em mim. A sua mãe é forte. Queria ser como ela. Porém, possuo o corpo fraco, como se fosse feito de vidro. A vantagem, é que me disseram que meu coração é forte, como um touro selvagem. Mas, do que adianta, não é mesmo? Entregaria meu coração forte por um par de asas. Uma troca justa, não acha?
Olho para ela, perplexo. É como se ela tivesse um livro de poemas aberto, dentro da cabeça. E como ela é avoada.
一 Quer vir comigo? Creio que mamãe está melhorando.
Ela dar de ombros.
一 É estranho não saber o seu nome.
一 Já falei sobre isso, Felipe. No quinto dia, lhe direi o meu nome.
Abro a porta, e quando olho para trás, de novo, ela sumiu. Como é rápida.
***
Estaria mentindo se eu não dissesse que estava ansioso para encontrar a maluca garota de suéter listrado nos corredores do hospital. Porém, não a encontro no corredor. Cogito que ela tenha tirado um dia de folga. Visito mamãe, e converso um pouco com ela. Aproveito o meu domingo ao seu lado. Mas, logo o horário de visitas torna-se curto.
O médico, logo aborda-me do lado de fora do quarto.
一 Estamos fazendo o possível para encontrarmos um doador compatível com ela. Nesses momentos, precisamos ter fé.
一 Acha que ela está melhorando, doutor? Por favor, não me esconda nada. Eu aguento a verdade.
一 Se não apressarmos a cirurgia....
Consinto, já a par do que ele dirá. Sem que ninguém veja, vou para o último andar do hospital. Acabo por descobrir a porta do terraço aberta. Quero encontrar um lugar para chorar. Um local em que ninguém possa reprimir as minhas lágrimas.
Sento-me no chão, afundando minhas mãos sobre a face, os soluços rasgando a minha garganta. Choro, como uma criança desamparada. Queria ter fé nesse momento tão delicado, porém, pressuponho que a minha esperança já morrera.
一 Caramba, eu podia jurar que você veio para cá, para se atirar do último andar. Não sabe o quanto corri alucinada atrás de você. 一 ela diz, com as bochechas vermelhas e a testa suada. Outra vez, veste as mesmas roupas. O que me surpreende é que as suas roupas nunca estão sujas.
一 Eu não sou tão maluco para fazer isso, garota.
Enxugo as minhas lágrimas para ela não as veja.
一 Sabe, chorar não é sinal de fraqueza. Significa que você ainda é humano e possui coração de carne.
Senta-se ao meu lado, e oferece-me uma caixinha de suco de morango.
一 Está atrasada 一 digo, disfarçando a minha voz embargada.
一 Queira perdoar-me, mas é que eu realmente precisei passar na cantina do hospital. Já viu quantas coisas gostosas tem naquela máquina nova que instalaram? 一 suga o suco da caixinha pelo canudinho. 一 Seria um pecado não comprar nada.
Observamos o pôr-do-sol. Deve ser o pôr-do-sol mais lindo que já vi em minha vida.
一 Tenho quase certeza que você é um fruto da minha imaginação.
一 Eu sou real, Felipe 一 ela sorriu. 一 Tão real quanto você. Aqui! 一 puxa a manga do suéter. 一 Toque o meu braço.
Cutuco o braço dela, com o meu dedo indicador. Sua pele é macia e fria. Mas palpável. Sim, ela é real.
一 Satisfeito?
一 Então, por que você não está no colégio, e por que sempre está com as mesmas roupas? 一 provo um pouco do suco de caixinha.
一 Não sei. E você? Por que não está na faculdade?
一 Touché 一 ergo minhas mãos, em sinal de rendição. 一 O que faz depois que sai do hospital?
一 Não sei... 一 diz vaga, olhando para cima, brincando com o canudinho entre os dentes. No céu, estrelas tímidas mostram o seu brilho.
一 Meu Deus, garota, você é mesmo um mistério. 一 desenho um sorriso no rosto.
一 Os caminhos de Deus também são misteriosos. Mas, ao menos te fiz sorrir. Deve ser a primeira vez que você rir, Felipe. Não sabia que tinha dentes. Ao que parece, ganhei a aposta. 一 joga os braços para cima.
一 Que aposta?
一 Apostei com a minha mochila que te faria sorrir. Ela apostou contra.
一 Apostou... com a sua mochila? 一 olho para a mochila felpuda de urso azul, que está sobre suas pernas.
Assente, orgulhosa. Creio que ela não deva ter muitos amigos. Assim como eu. À essa altura, já estou acostumado com as suas esquisitices.
一 Tenho que ir. Amanhã já segunda-feira. Dia de voltar ao trabalho.
一 Te acompanho até a porta.
Descemos as escadas, passamos pelos corredores vazios e silenciosos, atravessamos a porta giratória de vidro. Assim que dou as costas, e olho para trás, ela já sumiu.
***
Hoje, é o quinto dia. E sinto que esse será o último dia que a verei. Estou temeroso. Quero fazer todas as perguntas certas e espero receber as devidas respostas dela. Assim que visito a minha mãe, e beijo a sua fronte, pegando-me pela primeira vez, com esperanças para que ela melhore, a garota loira aparece no quarto.
一 Dará tudo certo, Felipe. Confie em mim. Sua mãe vai ficar boa.
一 Estou começando a acreditar no que você diz. Quando você fala, não parece tão impossível.
Ela abre um sorriso para mim.
一 Pronto para o quinto dia? 一 senta-se no sofá que há no quarto, dando batidinhas para que eu me sente ao seu lado.
Por fim, após um longo suspiro, ela olha-me profundamente em meus olhos, deixando-me paralisado. É como se eu me afogasse em um oceano perfeitamente azul.
一 Chamo-me Clara Gouvêia. Tenho 18 anos. 一 como desconfiei, ela é um ano mais nova que eu. 一 E acho que sou caloura de alguma coisa.
Acabo rindo do seu último comentário.
一 Clara... Esse nome combina com você.
一 Quando o vi, Felipe, cabisbaixo naquele corredor, quis imediatamente conhecer você. Não sei a razão, vai ver meu coração não suportou ver a tristeza que percorria em seu cerne. Soube da história de sua mãe, e quis muito conhecê-la. Ela é uma mulher forte, sendo uma mulher forte, precisa de um coração forte.
一 O que quer dizer com isso?
Ela nada diz, apenas sorrir para mim. Apanha as minhas mãos. Suas mãos estão geladas, como se ela tivesse segurando gelo por muito tempo.
一 Não deixe se abater por nada. Sorria, mesmo que a vida esteja dura. Prometa que cuidará de sua mãe, e acima de tudo, que fará amigos, e que deixará a fé e a esperança adentrar o seu coração. Oh, Felipe, eu já conheci o amor de Deus, e Ele é lindo. Agora, preciso que feche os olhos. Juro que não farei nenhuma brincadeira de mal gosto.
Fecho os olhos, e de repente, Clara está orando por mim. Sinto um calor abrasar aos poucos o meu peito, a medida que a voz dela preenche todo o ambiente. Lágrimas correm pelos olhos fechados. Eu quero acreditar novamente. Eu realmente quero.
Ainda permaneço de olhos fechados, e então, dos lábios de Clara soa uma linda canção chamada Amazing Grace. Não quero que essa seja a nossa despedida. Quero vê-la no sexto dia, no sétimo dia, no décimo, no centésimo, quero vê-la para sempre.
一 Obrigada, Clara. Estou bem melhor.
一 Daqui para frente, tudo se fará novo.
Ela sorrir para mim. É como se um lampejo de raio de sol escapasse por entre tantas nuvens sombrias. O tempo parece parado do lado de fora.
Minha mãe remexe-se na cama. Vou até ela, segurando em suas mãos.
一 Tive um sonho tão bom, Felipe. Podia jurar que estava escutando a cantoria de um anjo.
一 Era a minha amiga quem estava cantando. Mãe, essa é a... 一 mas assim que tento apresentá-las, dou-me conta de que ela já partira. Sobre o sofá, esquecera a sua Bíblia.
Amanhã, sem falta, devolverei à ela.
***
一 Alô, Sr. Felipe?
一 Sim. Sou eu. 一 atendo o celular, grogue de sono.
一 Conseguimos um doador compatível para a sua mãe. Venho informar que ela está sendo levada para a sala de cirurgia.
Dou um pulo da cama, apanhando meus coturnos, calçando-os na escuridão do meu quarto. Em instantes, estou no hospital. O casaco amassado, o cabelo bagunçado, e sequer escovei os dentes. Estou um trapo. Queria que a Clara estivesse aqui. Logo, ela que ajudou-me quando mais precisei. Nem sei o que farei para recompensar sua generosidade tão grande.
...
A cirurgia demora horas.
Horas arrastadas.
Horas incontáveis.
Pego-me orando por minha mãe, da maneira como Clara ensinou-me. Dará tudo certo. Tudo dará certo. Após, um médico aparece perante mim. Anuiu e meu coração entra em júbilo. A cirurgia foi um sucesso. Minha mãe está salva. Ela venceu a morte.
Terá de ficar alguns dias em observação. Enquanto isso, pego-me pensando em Clara. Quero contar as boas novas para ela. Talvez, alguma enfermeira do hospital saiba sobre ela, já que ela vivia a vaguear pelos corredores.
一 Com licença 一 falo com a moça da recepção. 一 Sei que parece meio incômodo no momento, mas será se a senhora teria a ficha com o telefone de uma visitante chamada Clara Gouvêia.
一 Clara Gouvêia? 一 olha-me de supetão. 一 Ora, meu jovem, eu lhe daria os dados com o telefone desta moça, porém, ela nunca foi visitante do hospital.
一 Como assim? Eu a via todos os dias nos corredores.
一 Oh, terá de conversar com a administradora, querido. É um assunto que não está em minhas mãos.
Fico confuso e um tanto chateado com a resposta. Como assim Clara nunca foi uma visitante? Eu devo estar enlouquecido? Mas, ela era real. Eu havia tocado em sua mão anteriormente. Vou até a sala da administradora, conversar com ela. Repito o mesmo que disse para a moça da recepção.
一 Clara Gouvêia... Certo. Quem estava na recepção não lhe enganou, rapaz. A Srta. Gouvêia não era visitante do hospital, ou sequer acompanhava algum paciente.
一 Então, o quê? Eu a vi todos os dias nos corredores.
一 Creio que tenha se confundido, meu jovem.
一 Não, não me enganei. Ela chama-se Clara Gouvêia, tem 18 anos, cabelos loiros, curtos e bastante repicados, além de andar para lá e para cá com uma mochila felpuda de urso azul.
一 Céus, então era amigo dela? Há quanto tempo eram amigos?!
一 Há cinco dias.
一 Isso seria impossível 一 a administradora vai até a um dos armários de ferro, e puxa uma gaveta, retirando minuciosamente uma ficha. 一 A Srta. Gouvêia ficou em coma por dois anos.
一 O quê?
Sinto minha cabeça girar. Meu coração está agitando. Vou perder os sentidos.
一 Ela acidentou-se nas montanhas, quando estava com as amigas, para comemorar a sua entrada na Universidade. Bateu a cabeça nas rochas. Sofreu traumatismo craniano. Seus outros órgãos funcionavam, mas não respondia as atividades cerebrais. Tornou-se um vegetal.
A forma como ela detalha tão roboticamente faz-me mal. Gostaria que ela não falasse dessa forma.
一 Ontem à tarde, a família resolveu que era hora de desligar os aparelhos. Eram muito religiosos, e fizeram tal decisão com muito pesar. Tiveram apenas cinco dias para pensar em tudo.
Cinco dias. A mesma contagem de dias que Clara me dissera.
一 Isso não pode ser verdade. Ontem à tarde, ela estava comigo, orando.
一 Sei que parece ser difícil acreditar. Faz parte dos estágios do luto.
一 Não estou de luto 一 minha voz sai esganiçada. 一 Clara não está morta.
一 Sei que essa deveria ser uma informação sigilosa, mas quero que fique a par de que o coração doado para a sua mãe, veio da Srta. Gouvêia.
Aquela notícia cai como uma bomba sobre mim. Relembro-me das palavras de Clara.
Estou aqui por você.
Sua mãe é uma forte, e precisa de um coração forte.
Entregaria meu coração por um par de asas. Troca justa, não acha?
***
Não sei porquanto tempo chorei. Apenas sei que chorei o suficiente para encher dez garrafas de refrigerante. Precisei de semanas e até meses para digerir a verdade de que a pessoa que havia conquistado minha amizade naqueles cinco dias, jazia morta.
Durante esse tempo, retornei à faculdade, e como se algo tivesse mudado em mim, eu atraía as pessoas. Fiz amigos, mas nenhum era como Clara.
Como esperado, depois de um tempo, consegui o endereço da casa da família de Clara. Minha mãe, já recuperada quis acompanhar-me. Queria conhecer a família daquela benfeitora que havia doado um novo coração à ela.
Fomos juntos, e quando bati na porta, uma mulher atendeu-me. Era uma versão mais velha de Clara. Abraçou a minha mãe, como se fossem amigas de longa data. Após, um homem nos recepcionou. Fora muito atencioso, e conversamos um pouco. Entreguei para eles, a Bíblia que Clara havia deixado no quarto de minha mãe, na última vez em que a vi.
一 Ela teria gostado de você em vida, rapaz. Teriam sido ótimos amigos. 一 a mãe dela diz, em lágrimas.
一 Mas, a nossa Clara não morreu. Ela sempre estará viva. 一 o pai, diz, saudoso.
Isso é verdade. Ela viverá através de minha mãe, com seu bondoso coração. Seu coração forte e generoso.
Observo algumas fotos que estão sobre a estante. Em uma delas, Clara faz o sinal de "V" com os dedos, vestida com um suéter listrado e um cachecol rosa. Segurava contra o peito, a mochila felpuda de urso azul. As mesmas vestes que ela sempre usava quando eu a encontrava no corredor do hospital.
一 Essa foto foi tirada no dia em que ela viajou para as montanhas. Estava feliz. Seria caloura. Iria cursar Enfermagem. 一 dissera o pai.
Clara, sua tolinha, era Enfermagem que você iria cursar. Como pode esquecer desse detalhe tão importante? Você teria sido uma ótima enfermeira., mordo meus lábios, prendendo um choro.
一 Você conheceu a maninha? 一 olho para o lado e deparo-me com uma mini-versão de Clara. É uma garota de sete anos, cabelos loiros e compridos, e olhos que cintilam no mais puro azul.
Abaixo-me, ficando do tamanho dela.
一 Sim. Eu conheci a sua irmã.
一 Ela está no céu, não é mesmo?
Afago a cabeça dela.
一 Sim, está sim. Ao lado do Papai do Céu.
A pequenina sorrir para mim. Ah, Clara, decerto você foi uma irmã admirável. Assim que minha mãe e eu estamos de saída, a mãe de Clara nos segreda.
一 Venha nos visitar sempre que quiser, Felipe.
Assinto. Antes de partir, pergunto algo para ela...
***
Estou diante da lápide de Clara. E as lágrimas não cessaram um instante sequer. Minha mãe está com as mãos atracadas em meu braço. Agradece a Deus a todo o instante.
Não vou esquecê-la, Clara. De sua amizade. De sua companhia. De seu jeito excêntrico e de sua dedicação.
Consigo ver outra vez, em minhas lembranças, seu sorriso afetuoso no rosto. Era como se, após tantas tempestades com nuvens de cor de chumbo, o sol enfim raiasse para mim, em um céu carregado de ternura azul. Deposito as flores em sua lápide, por fim, lendo o epitáfio nele escrito. "Amada filha e irmã". Minha mãe achegasse a mim, depositando a mão em meu ombro.
Ela foi o sinal de Deus para mim. Um anjo que devolveu a vida para a minha mãe. Agora, sei que não haverão mais tristezas em meu caminho. Prometo que eu nunca mais irei chorar. Vou sorrir, assim como você me ensinou.
一 Obrigado, Clara. Obrigado por tudo.
FIM.
Amando essa história San. ♥
ResponderExcluirSerá se o Felipe não vai corresponder a pobre Clara. Ah e o estilo do desenho está bonito. Adorei!!!♥
Humm será se o Felipe vai corresponder ao amor de Clara??
ExcluirNão deixe de acompanhar. Ah e obrigada pela a sua opinião ♥
Não conhecia sua história, vou ler os outros capítulos para entender melhor.
ResponderExcluirE o desenho está lindo, parabéns.
ResponderExcluirSan, que massa. Está lindo o desenho. Poxa, Felipe não dar uma dentro. Ele empurrou a Clara, sério?
O que esse menino tem na cabeça? kkkkk. Vou ficar atentar aos outros capítulos :)
P:s. Já cheguei no Japão. Aqui tá de noite kkkkk que estranho.
Beijão.
Oi Ann Lee. Obrigada pela opinião. Não foi um EMPURRÃO, mas como o Clara é uma menina sensível ela entendeu tudo errado. Ele fez isso para que as pessoa que estavam passando na rua, não fizessem fofoca sobre ela entedeu?!
ExcluirQue bom que já chegou no Japão. Já está realizando um sonho. Que Deus te Abençoe. Depois me manda as fotos pelo hangouts do G+.
Beijos♥
História perfeita. Já tá na hora de virar um livro! kkkk.
ResponderExcluirAdorei o novo estilo de desenho San! Tá lindo.
Um livro ainda é um passo muito longe...
ExcluirObrigada pela sua opinião
Beijokas! ♥
Sou a fã número dessa história. Por favor Felipe, olhe para os sentimentos da
ResponderExcluirClara. Impressão minha, ou ele ficou frio com ela de repente? kkkk
Bjs
\(°o° )/ êêêê a história tem uma uma fã!!!
ExcluirDesculpa, fiquei empolgada. Achei que ninguém ligava para essa história. Né?! Felipe bora agir! A Clara não vaai esperar para sempre.
Beijos ♥
Amei San, A sua história está ficando incrível!!!
ResponderExcluirOi Karina, obrigada pelo elogio flor.
ExcluirBeijos ♥
A história é linda muito curiosa pra saber mais, San beijos.
ResponderExcluirOi Lucimar obrigada pela visita e obrigada pelo elogio♥
ExcluirBeijokas!!
Amei, Amei, Amei!!! Gostei da atitude do Felipe, do desenho e da história, traduzindo gostei de tudo San!
ResponderExcluirBeijinhos ♥
hehehe Obrigada Mylene, amo ver seus comentários por aqui fofa!
ExcluirBeijokas♥
Obrigadaaa ! Glória a Deus,menina, tava demorando !
ResponderExcluirAff esse Felipe é um iceberg, espero que ela o descongele eo trag apara perto do sol !
Poste o outro cap loogoo !
Ah uma surra nesses jovens ! Ninguém merece ! Aff
#Tadinha
Beijos..
Mais sucesso !
agarotaperfeita2.blogspot.com
Né?! Felipe é muito fechado, quem sabe a Clara não abre o coração dele?
ExcluirBeijokas Kelly♥
Estou ansiosa para o próximo capitulo. Esta historia é linda.
ResponderExcluirOi Ivony, aguarde que o capítulo12 já tá chegando. Só esperando minha irmã liberar. :)
ExcluirBeijokas♥
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAmei o novo Capitulo, louca para ver o próximo parabéns San os desenhos cada vez estão melhores Beijos
ResponderExcluirOi Stefanny sua linda, que saudades de você. Obrigada pela opinião flor.
ExcluirDaqui pra frente quero melhorar mais e mais.
Beijokas♥
Oi San. Quanta criatividade. Sua irmã esta de parabéns. Consegui imaginar essa história (série) em quadrinhos.
ResponderExcluirBeijos.
Chorei como uma condenada.
ResponderExcluirSó consegui lembrar desse hino: "recebi um novo coração do Pai... coração regenerado, coração transformado".
ResponderExcluirAmém, música linda.
ExcluirClara foi um anjo na vida dele.
ResponderExcluirSeu conto me tocou de uma forma linda.
Espero que continues a escrever.
Com certeza. Guiou pelo caminho certo.
ExcluirJurava que iria aparecer um ignorante dizendo que ele não poderia conversar com ela porque ela é um espírito (???). CONTO LINDO. MARAVILHOSO. E quem falar mal, precisa rever seus conceitos. e preconceitos.
ResponderExcluirTenho paciência com pessoas assim. Já fui apedrejada antes, mas não importo-me mais. Se nem Jesus agradou a todos, quem dirá uma relés mortal como eu?
ExcluirObrigada por apreciar o conto.