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Conto: a filha do pastor

Atualizado em 12/01/2020.

Decidi atualizar este conto, pois foi o primeiro conto que escrevi para o blog, e naquela época (7 anos atrás), a minha escrita era terrivelmente precária, embora eu não tenha mexido muito no conteúdo original, apenas nos detalhes que muito incomodavam-me e na mensagem anterior que era demasiado vazia e pacata. Espero que gostem da nova versão, pois foi feita com total atenção e carinho. Fiquem na paz do Senhor. Estritamente proibida fazer cópia desta obra.🚫 Plágio é crime e Deus tá vendo.😉

Se encontrou esse conto por acaso na Web, sinta-se a vontade para lê-lo. E obrigada por visitar o meu blog.







Inspirado no filme "Preacher's Kid".


***


Desde pequena, o seu pai, um pastor temente aos caminhos do Senhor, sempre a guiou, segurando em sua pequena mão, para que ela nunca tropeçasse nalguma pedra. A protegia de tudo com toda sua vida. Sendo filha única, fora muito mimada. Sempre sempre lera para ela, enquanto a esperava adormecer, cada livro dos Salmos. Sua mãe, uma missionária, havia falecido há anos, e por conta daquele triste evento, o pastor cuidava mais e mais de sua filha, evitando que a sua pequena pérola viesse a testemunhar os dissabores do mundo. 

Raíssa era o nome da filha do pastor.

Raíssa tinha uma belíssima voz, e quando cantava, toda a igreja entrava em um misto de emoções, rendendo-se aos choros de alegria, pois sentiam-se banhados por aquela voz terna carregada de poder. Ela era, por muitas vezes, escolhida para projetos e obras de caridade, e nos cultos de jovens era a primeira a cantar, pois todos almejavam apreciar a sua doce voz. 

Um maravilhoso dom dado por Deus, era o que todos diziam.

Seu amigo Luís, — um dos poucos rapazes da igreja que seu pai deixava aproximar-se de seu pequeno tesouro  a admirava, não por sua voz de anjo ou por sua beleza arrebatadora. Ele via mais do que isso em Raíssa. Enxergava além do que meros olhos humanos poderiam ver; Ora, ela era uma jovem linda, de tez  morena, cabelo castanho-escuro que despencavam em cachos, e olhos iluminados em um tom esverdeado, que fazia até mesmo a mais carrancuda das mais almas, admirá-la e perder-se em um suspiro. 

Aquela garota tinha tudo. Mas achava pouco. E não dava esmero ao que possuía.

O orgulho, como sempre, vinha antes da queda, e assim ocorreu com Raíssa. A tentadora vaidade adentrou no coração de Raíssa, fazendo-a admirar outras coisas. Coisas estas que não pertenciam ao plano celestial. 

Raíssa passou a admirar o mundo material e tudo ao que a ele pertencia. Era como um ópio em sua língua que dopava seus sentidos, instigando-a a querer mais daquilo. Óbvio que escondera seus anseios de seu pai e de melhor amigo, mas a cada dia que passava, Raíssa sentia-se como um pássaro preso em uma gaiola dourada, desejosa pela sua liberdade.


 Na sua escola, Raíssa era totalmente diferente da figura que mostrava ser na igreja. Era conhecida como Isa. A garota mais descolada e ousada. Despia-se de suas vestes como filha do pastor, e trajava as vestimentas da perdição, e não aparentava sentir arrependimento. Para chegar ao seu status, sem ganhar fama de careta, filhinha certinha do papai, topava qualquer coisa. Por vezes, voltava tarde para casa, mas seu pai, cego de orgulho pela filha, não via seus defeitos, pois ainda a tinha como a sua filhinha querida. Sua pequena pérola.


Os amigos de escola dela eram diferentes dos amigos de sua igreja. Bem diferentes. Seus corpos jaziam corrompidos, por tatuagens, piercings e álcool. De seus lábios, proferiam as piores profanações. Eram túmulos, cascas vazias, corpos que tinham de serventia apenas alimentar prazeres mundanos para continuar a sua existência. E Raíssa começava aos poucos a sentir o tal vazio em seu peito. Não sabia dizer se foi quando experimentou o primeiro baseado, ou ingeriu a primeira cerveja, ou até mesmo, quando fora beijada por outra garota em uma das muitas festas que ia. O vazio crescia, devorando suas entranhas, afastando-a cada vez mais da luz. 

Estava afogando-se em um mar de breu. A escuridão achegava-se aos seus olhos, impedindo-a de ver seus erros, preenchendo o seu corpo com prazer passageiro que somente servia para lhe deixar com a vasta sensação de vazio.


Ficara morna na igreja. Os louvores já não emergiam de sua garganta com o mesmo poder, e as suas orações tornaram-se frias e insignificantes.


Quando começara a frequentar a faculdade de letras — enchendo seu pai outra vez de orgulho —, separou-se de suas antigas amizades e conheceu sua paixão. O nome dele era Pablo, e tinha traços latinos, ademais tinha em sua posse uma motocicleta que era objeto de desejo de todas as garotas da faculdade. Raíssa tinha dúvidas se ele era mesmo estudante, pois nunca o vira adentrar nenhum dos prédios do campus, porém, admitia em uma curiosidade fervente, que aquele homem a atraía, como um imã magnético. 
Certa vez, rápido como um raio, Pablo convidou Raíssa para uma volta em sua moto. Ela não o conhecia. Nunca havia escutado a sua voz, mas sentiu-se deveras tentada em ir com ele. Ora, era somente uma volta de moto. O que poderia dar errado? Subiu na garupa, agarrada nele, dando o famigerado passeio. Levou-a para um bar. Raíssa tremeu, mas não por medo, mas por vergonha pelo rapaz pensar que ela era somente uma garotinha inexperiente. 

Uma filha de pastor.

Pablo a chamou. Raíssa permaneceu estática. Ele chamou-a mais uma vez, com uma voz tão dócil e aveludada, que ela rendeu-se a ele. Depois de duas doses de conhaque, e quatro coquetéis, Pablo a aconselhava a aproveitar mais a vida. Elogiava cada parte de seu corpo, e a incentivava a mostrar mais pele. O ego de Raíssa inflou. Todos admiravam a sua voz, mas ninguém nunca falara de nenhuma parte de seu corpo até agora. A garota sentiu a garganta queimar depois de seu quinto coquetel. A língua já não lhe obedecia e seus olhos teimavam em ficarem semicerrados. Seu celular tocava insistentemente. Era Luís do outro lado da linha, ligando-a, desfalecendo em preocupação.

Ignorou as ligações. Na sexta vez, atendeu ao celular, furiosa.

Ela atendeu. Destratou o amigo. Exigiu que ele a deixasse em paz. Ele recusou-se. Ela o xingou. Dissera que Luís era obcecado pela igreja. Brigaram feio. Raíssa desligou o celular, trêmula. Temia que Luís contasse ao seu pai sobre sua má conduta. Tornou a beber vodca para acalmar os ânimos. Despediu-se de Pablo, que a orientou ir para casa e não perder tempo em discussões tolas. Gentilmente, a deixou em casa. Aproveitando a brecha que seu pai não estava em seu lar, Raíssa fora para o quarto, onde dormiu por horas.

Quando acordou na manhã seguinte, para ir para a faculdade, estava em cacos. De ressaca, com olheiras e várias mensagens de Pablo em seu celular, perguntando como ela estava, se havia passado mal, se havia dormido bem. Era um rapaz atencioso, ela julgou. Sorriu, enquanto respondia cada uma delas. Para ele, Raíssa tinha todo o tempo do mundo.

Durante meses, Raíssa e Pablo saíram escondidos, a beberem em bares, dançarem em boates, noites regadas a beijos lascivos com direito a mãos indecentes que tateavam seu corpo esguio, tocando em seus seios e por entre as pernas, deixando-a em um constante frenesi, o que atuava em Raíssa uma louca vontade de extrapolar as barreiras do que restara de sua inocência. Como Pablo sempre lhe dizia, vivendo a vida ao máximo.

Mas um dia, o pastor descobrira a vida mundana que a sua preciosa filha levava. Viu as notas da faculdade caindo, observou o comportamento leviano de sua princesinha, e mais do que isso, contemplou decepcionado, como ela afastou-se de Deus. Quando questionou à ela, o porquê de tamanho declínio moral e espiritual, Raíssa irritou-se. Discutiram feio, mergulharam em um oceano de ofensas. O pastor gritava, tentando trazê-la a razão, e ela somente o xingava, destruindo sua figura de pai com suas palavras mal ditas.

Um tapa, o pastor desferiu no rosto de Raíssa, e com o coração ferido, pediu perdão pelo o que fez.

Mas Raíssa não podia conviver com aquilo. Não, não podia conviver com um pai opressor que lhe cortava as asas. Pegou uma mochila velha, apanhou algumas peças de roupa do guarda´roupa, tudo isto enquanto seu pai, em lágrimas, pedia aos Céus para que sua preciosa Raíssa, a sua pequena cantora, sua filha amada, voltasse a ser o que era.

Ligou para o Pablo. Ele a esperava do lado de fora da casa. Raíssa subiu na moto, com o rosto trilhado por lágrimas, enquanto o pastor, mesmo idoso, ainda tentava correr atrás da veloz moto. Caiu de joelhos ao chão, em plena estrada, vendo sua única filha ir embora.

O ódio de Raíssa pelas rédeas antes postas, a cegava, e em um impulso frenético, vindo de uma mente que já não refletia mais nos seus atos, Raíssa pediu a Pablo um favor. Era algo íntimo, que não teria retorno e nem remissão.

Naquela noite, o jovem casal foi para uma pousada. Pablo pagou tudo. Alugaram uma suíte de luxo. Raíssa experimentou de toda a luxuria e erotismo que seu amante lhe proporcionava. Gemeu, quando seu corpo fora tomado por Pablo. Mordeu os lábios, quando ele movimentou-se dentro dela, quebrando de vez a sua única parede. Perdeu o juízo, quando chegou ao seu ápice. Para ela, aquilo era o verdadeiro paraíso. E nada daquilo poderia ser tirado dela.

Ela não havia entregado apenas a sua virgindade para aquele rapaz, mas também o seu coração.

Meses depois, fora viver com Pablo em um apartamento apertado e sujo. Desistiu da faculdade, pois era seu pai quem pagava as mensalidades e ela ainda não possuía um emprego. Pablo saía de manhã e só voltava a noite. Raíssa sabia o que ele esperava dela. Para Pablo, Raíssa só tinha valor na cama. Não haviam mais promessas amorosas ou conversas divertidas. Nem mesmo o sexo era caloroso como dantes. Pablo só pensava em seu próprio prazer, deixando-a muitas vezes insatisfeita. Um dia, ela descobriu que Pablo era usuário de cocaína. Brigou com ele para que jogasse aquela porcaria fora. Naquele dia, ele a espancou. Fora a primeira vez que havia levantado a mão contra ela. Jurou que nunca mais faria aquilo.

Na semana seguinte, Pablo chegou furioso no apartamento, quebrando a pouca mobília. Era madrugada, e Raíssa tentou detê-lo. Ele não lhe deu ouvidos. Com a mão levantada, surrou-a até Raíssa ficar coma face arroxeada e inchada. Novamente, havia jurado que nunca mais faria aquilo.

Porém, Raíssa suportou tudo aquilo durante muitos anos. A falta de dinheiro, o temperamento desvairado de Pablo, as surras que ele lhe dava, as traições que ele cometia a ela, a humilhação de viver em um chiqueiro, os abusos físicos e psicológicos, e muitas vezes, sexuais, quando ela não estava disposta a ir para a cama com ele, e Pablo, enlouquecido, a forçava. Ela tinha suas chances de escapar de suas garras, mas o rapaz sempre lhe jurava que nunca mais tocaria em um fio de seu cabelo.

Aos poucos, a beleza da então garota, se esvaía, e dava lugar a cicatrizes, hematomas e feridas.

Eventualmente, quando o dinheiro lhes faltou, por Pablo sempre gastá-lo com drogas, ele pressionou Raíssa a ser uma stripper. Dizia que era uma prova de amor, e que ela deveria estar disposta a fazer por ele. Era o cúmulo para ela. O que viria depois? Ser garota de programa somente para agradá-lo? Neste dia, ela tivera coragem de encará-lo. Mas assim que Pablo enfureceu-se e a surrou, a garota perdeu a consciência. Foi levada ao hospital, com hemorragia.

Pablo fugiu, deixando a companheira afogada em seu próprio sangue. No hospital, foi dito que Raíssa estava grávida, mas perdeu o bebê por conta dos diversos ataques. Ela caíra em desespero. Estava grávida de um monstro, mas o seu filho não tinha culpa de ter um pai como aquele homem.

Durante algum tempo, ficou em um abrigo para sem-teto. Quando saiu do lugar, arrumou um emprego como faxineira de supermercado. O salário era pouco e quase não dava para pagar as dívidas que estavam em seu nome, por culpa de Pablo, que usava seus cartões, para exibicionismo. Pablo desapareceu do mapa. Raíssa só fora ouvir falar dele, meses depois, quando leu em um jornal que ele havia morrido por conta de uma overdose e foi encontrado em um beco imundo. Ela estremeceu de medo. Pablo havia sido ceifado. E quanto a ela? Teria o mesmo destino? Viver em vão e morrer sem dignidade, tendo a sua foto estampada na capa do jornal? 

Raíssa refletiu sobre tudo o que havia passado. Ela já não era mais uma menina inocente e não era mais uma garota jovem e cheia de vida. Tornou-se uma mulher quase com 40 anos, com a vida cheia de problemas, e muitos poderiam ter sido evitados por ela. Chorou suas amarguras e por tudo o que havia perdido.

Lembrou-se do pai. Senhor tão gentil, pastor tão dedicado, pai tão amoroso. Como ela havia sido uma criatura terrível a ele. Que ele ainda estivesse vivo para ouvir seu pedido de perdão.

Pegou o ônibus de volta para a sua antiga cidade. Já não possuía mais bens, não possuía mais dignidade, restava a ela, somente o aconchego nos braços de seu pai. Assim que bateu na porta, e esta se abriu, Raíssa caiu de joelhos ao chão. Seu pai estava mais velho, mais franzino e com os cabelos mais grisalhos. Ela não conseguia encarar a sua face. Tinha vergonha de tudo o que havia cometido em seu passado. Humilhou-se, não para que ele a chamasse de filha, mas que ao menos concedesse um trabalho em sua casa, como empregada.

O pastor a ergueu do chão, e delicadamente, plantou um beijo na testa de Raíssa. Havia a perdoado há muitos anos, apenas esperava a sua volta para poder descansar em paz. Aos prantos, Raíssa abraçou o pai, e pela primeira vez em sua vida, o vazio que carcomia o seu coração, sumiu repentinamente.

Ascendeu, outra vez, como a filha de um pastor. A filha de um rei.

Durante muitos anos, Raíssa cuidou de seu pai, até que ele descansasse em paz. Nunca casou-se ou pensou em ter filhos, mas assim que tomara conta da igreja de seu pai, teve cada membro da igreja como parte de sua família. Seguiu a risca o legado de seu pai, e a sua amarga vida tornou-se um testemunho que por onde quer que passasse, esmigalhava os corações endurecidos.

Raíssa viveu o resto de seus dias nos Caminhos do Senhor, e com um sorriso no rosto enrugado, sempre respondia como era bom viver na Casa do Pai, e louvava com todo o temor àquele Deus que havia a recebido de braços abertos.


2510 palavras.



Amados e queridos irmãos, Raíssa brincava de ser crente. Ela amava as coisas mundanas e arcou com suas consequências, e no final ela entendeu que seu lugar, era no santo lar de Deus. Espero que tenham gostado do conto e que ele possa refletir em sua vida. Fiquem com a paz do Senhor e que esta paz reine em nossos corações para todo o sempre.



Comentários

  1. Pode ver é dessa maneira mesmo, conheço pessoas que passaram por isso mesmo!!!
    O melhor lugar é aos Pés do Salvador!

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    1. boa noite irmã!! eu creio que acontece.. isso muito por ai, são pessoas criadas dentro;do evangelho que se deixam levar...pelas coisas desse mundo,que não tem nada a oferecer,embora muitos acham que sim,parabéns pra vc;por compartilha.. essa história com a gente,DEUS ABENÇOE E LHE GUARDE!!

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  2. Nossa ainda bem que ela se voltou e que o Pablo quis ela mesmo assim. Bela história!




    http://elaecrista.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. Edmara quem casou com ela foi o Luís, o rapaz da igreja dela. O Pablo era o garoto perdido, que virou mendigo no final da história. ;)

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  3. Que benção! Gostei do conto! É bom pra refletirmos!

    http://kellyluque.blogspot.com.br/

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