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"Bem-vindo à Casa de Bonecas" é uma tragédia adolescente agridoce


Nome original: Welcome to the Dollhouse
Ano: 1995
Duração: 88 minutos
Direção: Todd Solondz
Sinopse: O colégio não é tão divertido quando se tem problemas com os colegas. Muito menos se tiver um irmão mais velho bem inteligente e uma bela irmã, que é bailarina e a preferida dos pais.

👧🏻👓💔


Quando eu vi o título desse filme, podia jurar que seria um filme coming-to-age bobinho, com uma lição fofinha. Eu não poderia estar mais errada.

"Por que você me odeia?" Dawn, de 11 anos, pergunta para uma garota que está a atormentando. “Porque você é feia.” ela responde.

Triste, comovente, flertando com o cômico e também dolorosamente cruel, Bem-vindo à Casa de Bonecas, de Todd Solondz, é totalmente preciso sobre a crueldade com que as crianças podem tratar umas às outras, muitas vezes enquanto lutam para aprender a amar. Nunca dando sermões ao espectador, nem excessivamente solene, ainda assim não faz rodeios. 

Não se engane. Apesar de metade do elenco ser interpretado por pré-adolescentes, não há nenhum momento de alívio ou doçura. Todas as crianças do filme são perigosamente más.



As humilhações infligidas à personagem central Dawn por seus colegas de escola são assustadoramente verossímeis; lembretes do tipo de maldade casual pré-adolescente que a maioria dos adultos conseguiu esquecer. E embora às vezes a brutalidade seja cômica, exemplo, há uma cena breve em que Dawn está serrando a cabeça da Barbie sereia de sua irmã mais nova, e apesar da comicidade da cena, também pode ser genuinamente sombria. Um pouco mais tarde, enquanto a irmã dorme, Dawn está de pé ao lado de Missy, segurando um martelo e fica para interpretação do espectador o que se passa na cabeça de Dawn naquele momento...

Dawn é uma pária na escola e até em casa, onde seus pais, ou pelo menos sua mãe, a tratam como um patinho feio em comparação com seu irmão nerd Mark, uma espécie de um jovem Bill Gates, e sua irmã mais nova, presunçosamente fofa, mimada e obcecada por balé, Missy. Seu único amigo verdadeiro é um garoto um pouco mais novo, Ralphy, que também é vítima de valentões, enquanto seu inimigo é o garoto conscientemente valentão Brandon, que a atormenta dentro e fora das aulas.

Dawn discursando sobre "dignidade" após a mesma implorar para a professora rever sua nota, é um momento bastante desconfortável.

Talvez inevitavelmente, mas ainda assim surpreendentemente, um tipo estranho de romance (!!!) se desenvolve lentamente entre Dawn e Brandon, que apesar de ser um jovem de caráter quase maligno, acaba sendo tão solitário quanto Dawn à sua maneira. Dawn, no entanto, demora a perceber isso, abrigando, em vez disso, esperanças completamente irrealistas de acabar com o bonitão Steve Rodgers (não confundi-lo com o Capitão América), um garoto muito mais velho que ela, que toca na banda de garagem desafinada de seu irmão. À sua maneira, Dawn fantasia um romance para lá de estranho que nos dias de hoje certamente causaria um certo burburinho naquela rede social que costumava ser um passarinho azul.



Após vários eventos no decorrer do filme, incluindo o término com Brandon, a rejeição de Steve, o sequestro de Missy, no final do filme, pouca coisa mudou desde o início: Dawn continua sozinha, e ela não parece particularmente feliz enquanto um ônibus a leva para a Disneylândia com seus colegas de escola na cena final, cantando uma canção melancólica.

Bem-vindo à Casa de Bonecas não é o tipo de filme coming-to-age em que o personagem principal aprende lições importantes sobre a vida e, como resultado, amadurece, ganha amigos e a admiração dos pais. No final, Dawn continua sendo uma estranha em sua própria casa, aparentemente ainda tendo uma atitude bastante ruim. Na verdade, apesar das intrigas dos relacionamentos de Brandon e Steve e do incidente melodramático com a irritante irmã de Dawn, não é realmente um filme com enredo ou muito desenvolvimento de personagem. Em vez disso, é um retrato da vida no mundo infantil. Os adultos raramente aparecem e, quando aparecem, são quase invariavelmente ameaçadores, patéticos, – ou muito irritantes. Os professores são incompetentes pois não enxergam o bullying que Dawn sofre na escola, os pais são estúpidos e alienados, oferecendo amor e carinho apenas à uma filha.

E, conforme vamos asssitindo, percebemos que até os próprios pais da Dawn vivem em uma "casa de bonecas" tentando demonstrar a todos em uma festa de aniversário brega, comemorando seus vinte anos de casados, enquanto vemos os alicerces de sua casa ruir, pois sequer conhecem ou amam a filha do meio. Sequer são uma família, são apenas estranhos que se reúnem para jantar.

Como retrato, é um filme onde as performances são tão importantes quanto a narrativa. E eles são consistentemente ótimos. Heather Matarazzo (apenas um pouco mais velha que sua personagem) faz uma Dawn fantástica, capturando a estranheza do tempo entre a infância e a adolescência plena. Ela não percebe o quão ingênua ela é. Ela pode acreditar que é madura, mas realmente não entende o mundo das crianças mais velhas, muito menos o dos adultos. Ela ainda tem um pôster de Garfield em seu armário (o único pichado na escola, ao que parece), enquanto Brandon tem uma pin-up de topless.

Heather Matarazzo transmite tudo isso com magnífica sutileza; seu rosto mal mudava de um estado de espírito para outro, mas de alguma forma comunicava uma ampla gama de emoções (raiva, perplexidade, nervosismo, humilhação) por meio de expressões quase idênticas. Brendan Sexton III (sim, o nome do ator do Brandon é Brendan), embora não tão presente na tela, tem um papel igualmente difícil, exigindo que ele revele lentamente suas vulnerabilidades sem se tornar muito gentil ou perder a sensação de ameaça frustrada. 



Entre os adultos, a mãe tensa e histérica, com lábios e dentes enormes, talvez seja o destaque, mas o pai mais quieto e perpetuamente irritado, e a professora mal-humorada contribui de forma convincente para as dificuldades de Dawn. O design de produção e os figurinos, por sua vez, são uma delícia. É ambientado em meados da década de 1980 (Solondz começou a escrevê-lo por volta de 1989), e qualquer pessoa familiarizada com essa época ficará encantada com a riqueza de detalhes precisos e divertida com seu leve exagero. As camisas florais são abundantes, e a sala de TV da casa de Dawn, decorada inteiramente em tons de marrom e laranja, é particularmente maravilhosa.

Acima de tudo, porém, é o retrato incomumente perspicaz de Bem-vindo à Casa de Bonecas de seus jovens que o torna um filme tão absorvente. “Não conseguia pensar em nenhum filme americano que tratasse seriamente da infância”, disse Solondz. “As crianças nos filmes norte-americanos eram fofas como uma bonequinha ou eram demônios malignos.” Ele consegue neste filme evitar totalmente esses estereótipos; embora o roteiro original fosse mais sombrio, na versão produzida nenhuma das crianças é realmente ruim, mas nenhuma delas é totalmente simpática ou bondosa.


Eles são rápidos em perceber qualquer desvio da norma, mas no fundo eles não são tão diferentes ; até mesmo Brandon e Dawn, superficialmente tão diferentes entre si quanto duas pessoas poderiam ser, são ambos vítimas dos preconceitos dos outros, reagindo agressivamente à exclusão da corrente social dominante. E a crueldade com que as crianças se tratam não parece vir de dentro; é mais como algum tipo de doença infecciosa irresistível que aflige a todos periodicamente. Brandon murmura “foda-se” para Dawn repetidamente, e logo ela está fazendo isso com sua irmã. É o ciclo vicioso do ódio.

Portanto, embora Bem-vindo à Casa de Bonecas certamente não ofereça uma visão rosada da infância, não é desesperadamente sombria. Em outras palavras, é emocionalmente realista mesmo em seus momentos mais rebuscados – um ponto reconhecido por muitos críticos e pelo festival de Sundance, onde ganhou o 'Grande Prêmio do Júri – Dramático' em 1996. O New York Times disse que “ traz novas percepção de xingamentos e muitas outras agonias pré-adolescentes”, e elogiou sua “agudeza emocional angustiante sob um verniz de detalhes superficiais diabolicamente engraçados”. Roger Ebert, que adorou o filme, observou que ele “mostra o tipo de atenção implacável aos detalhes que é a chave da sátira”.

Pode ser considerado um filme que não será chamativo para muitos (por exemplo, a fotografia é quase imperceptível ou inexistente, tão absorventes são os personagens e as minúcias do ambiente), mas é perfeitamente trabalhado e não se perde um momento. E acima de tudo, é consistentemente inteligente e original, com um estilo irônico que disfarça observações perspicazes sobre a vida real das crianças.

É um filme de duração razoável, mas que deixa uma sensação agridoce na boca. Não espere um final feliz. Tal como a realidade de cada dia, Bem-vindo à Casa de Bonecas pode lhe desapontar. Sem dúvidas, um filme que jamais seria feitos nos dias de hoje, devido aos seus temas pertinentes e desconfortáveis, afinal, não queremos abrir mão de nossos óculos de lentes cor-de-rosa e enxergar a realidade como ela é.



Notei, no final da película, um certo trocadilho na música da banda do irmão da Dawn. A música "Welcome to the dollhouse" quando cantada por Steve soa muito como "Welcome to the Dawn house". Genial.



Comentários

  1. Esse filme é terrivelmente bom. Jamais seria feito nos dias de hoje.

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  2. Gente esse filme é um murro no estômago. Amo demais mesmo ficando triste no final.

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