👦🏻👔💼
一 Não quero desculpas! Quero resultados! 一 bato o telefone com força, quase arrebentando-o no gancho.
Respiro profundamente, arrumando minha gravata. Detesto ter que perder a minha compostura. Se há uma coisa que aprendi com meu falecido pai, é que nunca devo rebaixar-me ou aceitar um "não" como resposta.
A secretária adentra a minha sala, acanhada. É a Sra. Jones, uma senhora baixinha, de cabelos grisalhos e aparência frágil. Já deveria ter se aposentado há cinco anos, mas segundo ela, trabalha para mim pois gosta de mim.
Ela deve ser a única pessoa que já disse-me isso. Nem mesmo minha ex-noiva dissera tal coisa. E eu já desfiz incontáveis noivados. Bem sei que todos os meus ditos amigos e funcionários não gostam nenhum pouco de mim. Todos temem a minha posição, minha fortuna, meu sucesso. Meu dinheiro comprou suas almas. Mas nunca consegui conquistar nenhum sentimento recíproco de amizade verdadeira vindo deles. São uns parasitas sanguessugas.
Os olhos arregalados vistoriam o meu escritório, que há poucos minutos estava impecável. A boca miúda tremula em formular alguma frase, que certamente, ela pensa que poderá acalmar os meus ânimos. Ela muito lembra a minha avó.
Ah, minha avó. Levava-me à igreja, escondida de meu pai, que tinha repulsa por pessoas religiosas. Meu pai era um homem rígido, e tornou-se ainda mais amargo quando minha mãe morreu de câncer. Trancafiou-me em um colégio interno, e eu só o via nas festas de fim de ano. Nunca fomos próximos. Nunca tivemos um relacionamento de pai e filho. Eu era o seu aprendiz. Meu caráter foi moldado para ser como o dele. E quando assumi a presidência da empresa, tornei-me muito mais severo e inflexível que ele.
Se papai estivesse vivo, teria orgulho de mim.
一 O que você quer, Sra. Jones?! 一 sibilo na direção da secretária.
一 Sr. Smith, espero que não tenha esquecido-se de sua viagem.
一 Ah, obrigado por avisar-me 一 viro-me em direção à imensa vidraça da janela do meu escritório. Tenho uma bela vista da cidade. Tudo isso é meu. 一 Agora que já avisou-me, Sra. Jones, pode ir.
一 Sr. Smith, estou preocupada com seus ataques de raiva. Devia controlar-se mais e tratar a todos com respeito.
Diz, com uma firmeza, não temendo que a qualquer palavra dita errada, eu posso colocá-la no olho da rua. Quem ela pensa que é? Tão cheia de si. Agindo como se fosse a minha mãe.
一 Minhas atitudes não são de seu interesse. Veja lá como fala. Mais uma bobagem dessas, e estará dando conselhos para os moradores de rua.
一 Sim, Sr. Smith. Não direi mais nada.
一 Perfeito. Mantenha a boca fechada, e eu pensarei se a mantenho aqui por mais alguns anos ou não. Meu carro está pronto?
一 Sim. Quer que eu avise o motorista, Sr. Jones?
一 Claro que não. Irei eu mesmo dirigindo. Não permitirei que um pé rapado ponha as mãos em uma máquina como aquela. 一 falo, o pundonor atiçando em minha língua quando relembro-me da imagem de minha Lamborghini vermelha que custou-me mais de 2 milhões de dólares.
一 Sr. Smith, não acha meio perigoso atravessar aquela região desértica e árida com um carro tão chamativo?
一 É o meio mais rápido para chegar até o meu destino. Além do mais, um pouco de aventura cai bem, não acha?
一 Mas, Sr. Smith...
一 Nada de "mas". Prepare a minha Lamborghini! Já estou ficando sem paciência por essa conversa infundada. Desde quando tenho de dá explicações de onde venho e para onde vou, para uma relés secretária?!
A Sra. Jones deixa o meu escritório, cabisbaixa. Apronto-me para minha viagem, em um investimento que trará um lucro de bilhões para a minha empresa. Nem mesmo meu pai sonhou tão alto quanto eu.
Sim, meu pai teria orgulho de mim.
***
Dirijo a 100KM por hora. O volume do rádio nas alturas. A sensação de liberdade agitando a aumentar mais e mais a velocidade do meu carro. Estou imparável. O deserto com vegetação escassa e queimada pelo tórrido sol, parece não acabar mais. Alucinado pela música frenética, bato minhas mãos no volante, ao ritmo da bateria e da guitarra elétrica.
Porém, sinto que há algo errado com o meu carro. Quando tento diminuir a velocidade, o mesmo não obedece-me, e quando tento pisar no freio, nada muda. Ele simplesmente não para. É como se... tivessem cortado os freios de minha Lamborghini. Alguém está tentando me matar. Raios, alguém realmente foi capaz disso. Não tenho tempo para formular teorias acerca de quem estava desejoso por minha caveira. Tenho de parar este maldito carro.
Retorno ao pensamento anterior, desta vez, empalidecido. Alguém me quer morto.
Custo a acreditar e só desperto para a realidade quando a velocidade já ultrapassou todos os limites, e dou-me conta de que preciso saltar de meu próprio carro em movimento. Ou isso, ou bater nas montanhas pardas. Abro a porta com dificuldade, por conta das rajadas de vento que impulsam-me para trás. É tudo rápido e absurdo, como em um filme de ação enfastiante que já assisti quando mais jovem. Chuto a porta que voa, desprendendo-se do carro, por conta da velocidade.
A única coisa que consigo levar comigo é a minha maleta. Salto do carro, um grito insano escapando de minha boca. Rolo, e fico uma eternidade rolando sobre as pedras e areia. Quando por fim, meu corpo machucado cessa a infame queda, escuto um estrondo. Minha Lamborghini chocou-se contra a parede de montanhas pálidas. Após, escuto uma explosão. Lá se foi a minha preciosidade de 2 milhões de dólares. Dane-se! Posso muito bem comprar outra.
Levanto-me. O corpo muito dolorido, como se tivessem arrancado meus membros. Ponho a mão na cabeça. Diabos, estou sangrando. Morrerei aqui, abandonado no deserto? Olho de um lado para o outro, não vejo nada além de uma superfície longínqua de areia cálida. Não há nuvens no céu, e o sol castiga meus lombos. Ando um pouco, atordoado pelo calor. Desamarro a minha gravata e abandono-a. Retiro meu paletó e lanço-o para trás. Sinto-me mais leve, porém, ainda está quente. Tenho sede. Muita sede. Ainda tenho em mãos a minha maleta. Não posso abandoná-la. O investimento da minha vida está aqui. Vou para o meu destino, nem que seja atravessando esse deserto a pé.
A noite rapidamente cai, e logo arrependo-me de ter jogado meu paletó fora. Se o dia é quente como o inferno, não posso dizer o mesmo da noite. Está tão frio, que meus dentes da fileira de cima batem com os da fileira de baixo. É como a vez em fui esquiar nas montanhas geladas do Canadá. Só aqui estou sem agasalho, sem abrigo e sem direção.
Perdido e sozinho no maldito deserto.
Se a Sra. Jones tivesse testemunhado tudo isto, teria dito um irritante "eu te avisei". Bufo. Não é hora para a minha consciência dar-me lição de moral.
Aos poucos, meus olhos se fecham contra a minha vontade, e devido a fome e a sede, rendo-me ao sono.
***
Assim que impulsiono a mim mesmo a acordar, dou defronte com o sol escaldante que queima a minha face. Coço meus olhos, semicerrando-os, percebendo que dormir ao relento, nas areias do deserto, com a cabeça apoiada em minha maleta. E há um menino perto de mim.
Há um menino perto de mim?
Levanto em um sobressalto. É um garoto de cabelos e olhos castanhos, como os meus, que usa um suéter de lã azul-escuro, uma gravata-laço vermelha e uma bermuda branca. Roupinha de marinheiro. Podia jurar que eu já tive uma vestimenta como essa, quando era menino. Está de cócoras, com as mãos nas bochechas, e com os olhos vidrados em mim. Ele parece-me familiar, por alguma razão.
一 Deve ser uma alucinação. É isso! Tem de ser uma alucinação, assim como são com os oásis. Estou no deserto, sob um calor absurdo, com fome e sede, esses fatores devem ter projetado ilusões em minha mente.
一 O senhor diz coisas estranhas, moço. 一 o pequenino gargalha, risada de criança que não escuto há muito tempo.
一 Quem é você, garoto? O que diabos está fazendo no deserto?
O garotinho coloca as duas mãos sobre a boca, e olha-me abismado.
一 O que foi? 一 bato a areia de minha camisa, recolhendo a minha maleta.
一 Você falou palavrão. A mamãe disse que isso é uma coisa muito feia.
一 Acredite, moleque, quando você se tornar um adulto como eu, terá muito mais palavrões em seu vocabulário que um simples "diabos".
一 Não quero ser adulto como você. 一 fita-me com as mãos na cintura.
一 Não quer ser como eu? 一 deixo escapar um ofegar sarcástico. 一 Moleque, você sabe quem sou eu? Devo ser mais rico que todos os pais de seus amiguinhos, juntos.
一 Não quero ser como você. Seus sapatos são feios.
一 Dane-se. 一 atrevo-me a dar o primeiro passo.
一 Ah! 一 coloca as mãos sobre a boca. 一 Falou palavrão outra vez.
一 Preciso escapar desse deserto, e agora tenho de aturar uma miniatura de alucinação!
一 Não sou isso que o senhor disse. 一 a ilusão ambulante me segue. 一 Eu sou criança. E tenho nome.
一 Não quero saber.
一 Sou Jim.*
一 Não me interessa.
一 Qual é o seu nome, moço?
一 Não sou obrigado a lhe dizer.
一 Para onde o senhor está indo?
一 Preciso encontrar a estrada. Talvez, passe algum carro que possa me levar para casa.
一 Posso ir junto? 一 pergunta, enquanto saltita ao meu lado.
一 Você não é problema meu, moleque. E quer parar de pular?
一 Não consigo parar. Estou muito animado. O que tem na maleta, moço?
一 Não é da sua conta. Vem cá, você não tem outro adulto perdido e desidratado para encher a paciência?
一 Por isso que eu não quero ser adulto 一 Mostra-me a língua. Quanta maturidade! 一 Você é muito resmungão, malvado e chato, assim como o meu papai.
一 Aposto que eu ia adorar conhecê-lo. Deve ser um homem muito lúcido.
Mas, o pequeno Jim ignora-me, continuando com sua falação, perturbando-me meus ouvidos, sob um calor infernal de 42 graus. Meus lábios estão rachados, meus pés estão doloridos, e escutar Jim, contando suas infinitas e fantasiosas histórias sobre como quer ser astronauta, em nada ajuda.
Outra vez, a noite cai rapidamente, mas diferente do dia anterior, tenho a companhia do garotinho mais chato da face da Terra. Apresso-me em tentar, ao menos, fazer uma fogueira, pois não quero morrer de frio esta noite. Como vi em um filme, tento esfregar uma pedra na outra. Todavia, nenhum sinal de faísca aparece.
一 Isso não vai dá certo. 一 Jim circula as mãos nos olhos, como se tivesse vendo através de binóculos.
一 Oh, não me diga, Sherlock. 一 lanço as pedras para longe. Ajunto uma quantidade de plantas secas e, contra todos os meus planejamentos, abro a maleta. Rasgo alguns contratos, e coloco os pedaços de papel sobre as plantas. Alcanço o isqueiro no bolso de minha calça, a única coisa que não caiu de mim, quando joguei-me do carro, e agradeço por ainda guardar a minha única lembrança de meus dias de fumante. Risco o isqueiro algumas vezes, e consigo acender uma fogueira.
一 Voilá! 一 digo, orgulhoso do meu feito, mostrando-me para Jim, que revira os olhos.
一 Você seria um péssimo escoteiro, moço. Sabia que eu sou escoteiro?
一 Eu também já fui um, quando tinha a sua idade, moleque.
一 Meu nome é Jim. Já falei para você. J-I-M. Eu sei soletrar também, sabia.
一 Não me interessa.
一 E eu tenho seis anos. 一 mostra-me seis dedinhos. 一 Viu? Seis anos. Quantos anos o senhor tem?
一 Não sou obrigado a dizer para você, moleque 一 observo os papéis queimando na fogueira, estou sendo aquecido pela queima de um contrato bilionário. 一 Destruí os meus princípios.
一 O que isso significa? Essa palavra "precipício"...
一 Não é precipício. É princípios! Significa que abri mão de tudo aquilo que eu confiava, para um relés momento vulgar. Talvez, não faça ideia, mas estes papéis das quais ateei fogo eram importantes.
一 Para mim, é só papel. Não acha que existem coisas mais bonitas que um amontoado de papel, com palavras chatas?
一 Como o quê?
一 Este céu estrelado 一 abre os braços, como se estivesse se divertindo com tudo aquilo. 一 Estamos dormindo ao céu aberto. Meu pai nunca me deixa acampar no quintal, mas agora, eu tenho o céu todinho para mim.
一 Espero que você custe a crescer. Ninguém leva a sério um adulto sonhador.
一 E quem disse que eu quero crescer? 一 deita-se no chão, ficando em posição fetal. 一 Crescer é chato, e ser adulto também. Papai e mamãe brigam o tempo todo. Mamãe vive chorando, e o papai me ignora. Só a vovó gosta de mim. Ela me leva para a igreja, me ensinou a orar, e nunca me deixa sozinho.
Pego-me curioso com as memórias daquele pequenino. Muita coincidência ele também ter uma avó que o levava para a igreja, e pais que discutem o tempo inteiro. Bom, isso deve ser normal com todas as crianças daquele idade. Quando penso em questioná-lo, o garotinho já dormiu. Ótimo! Talvez, se eu dormir, aquela alucinação irá embora quando eu acordar.
***
Acontece que cada vez mais, sentia-me apegado àquele projeto de alucinação. Durante a longa estadia no deserto, cercado por aquelas areias infinitas, Jim foi a minha única companhia e apesar de sua eterna tagarelice, desejei muito mais aquilo do que o silêncio cruento. Quando tinha fome, fui ao extremo em comer pequenos lagartos do deserto, cujo sabor era tenebroso demais, logo eu que fui acostumado a degustar do melhor. Quando a sede batia, bebia o suco ácido dos cactos, ávido por mais. Jim, em nenhum momento, reclamou ou parecia cansado, faminto ou sedento. Ao contrário, parecia fascinado com toda aquela situação. Admirava o céu estrelado e sempre dizia ser um abençoado por contemplar a lua e as estrelas.Enquanto a mim, perdi a noção do tempo. Caminhava como um moribundo, trajando meu esfarrapado terno que outrora era caríssimo. Perdia peso e a minha própria sanidade. Todavia, Jim não parecia importar-se com a minha deplorável situação.
Pensei que logo o resgate viria e me tiraria daquele inferno. Fiz um milhão de juramentos em minha cabeça, e sempre prometia que se eu voltasse para casa, ajudaria aos mais pobres de coração.
Pegava-me sonhando em minha mansão, cercado por meus bens luxuosos, longe de todo aquele calor.
Mas, eu estava errado. Continuei a andar pelo deserto com a miniatura ilusória vestido de marinheiro, ao meu lado, como um mascote fiel. Estou há dias sem beber água ou comer. Já não tenho forças para vaguear por deserto tão extenso e infinito. Somente a mesma repetição de cenário. A areia que reluz os raios de sol, o calor que castiga-me, e o falatório do pequeno pestinha, que não parece sentir fome e nem sede.
一 Será se dá para calar a boca, pirralho? 一 digo irritado, tropicando em algumas pedras. 一 Diabos, mal consigo ouvir os meus pensamentos.
一 Desculpa... 一 Jim, diz em um muxoxo. 一 Você falou igual ao meu papai.
Logo, dou-me conta de que eu mesmo acabei falando no mesmo timbre do meu finado pai. Uma coisa que sempre detestei. Sempre odiei a forma como ele gritava comigo, como dava-me ordens descabidas, como rejeitava as minhas boas notas da escola... Sempre fiz tudo para agradá-lo, para ser aceito por ele, e acabei tornando-me como ele. Um homem frio que comanda uma empresa que tampouco suporta.
Não, eu sou pior que ele. Acabei de magoar um garotinho que nada tem a ver com meus problemas.
Sento-me, no chão de areia, colocando a mão sobre a testa. Vertigem, por estar há tanto tempo sem comer. Até o meu relógio de pulso parou.
一 Desculpe-me, Jim. Não queria ter feito isso.
一 Tá tudo bem. Deixa pra lá, moço.
一 É James*. 一 falo, repentinamente. 一 Chamo-me James Smith.
一 Nome legal 一 Jim sorrir para mim. Ao que parece, as mágoas de uma criança não duram muito. Não são vingativas como os adultos.
一 Tenho 28 anos. E sou o dono de uma grande empresa. 一 Não explicarei no que trabalho. Seria complicado demais para uma criança entender sobre a bolsa de valores, e minha boca sedenta por água impede-me de falar por mais tempo.
一 Gosta do seu trabalho, James? 一 conversa comigo, como se fossemos irmãos. Ele bem que poderia ser o meu filho.
一 Não. Só faço isso porque era o que deixaria o meu pai feliz.
一 E o que te faz feliz?
Aquela pergunta é como um soco em meu estômago. O que me fez feliz até agora? Não foram as viagens para lugares exóticos, ou encontros com mulheres bonitas, ou sequer carros luxuosos ou a minha mansão que fica à beira-mar. Quando resgato em minhas recordações, o que realmente me fez feliz, apenas coisas simples vieram à minha mente. Bolhas de sabão, doces que eu comia escondido da babá, brincadeiras de pique-esconde com a minha mãe, os amiguinhos que fiz na escolinha da igreja, sorvete de baunilha... Céus, estou delirando.
Quando dou por mim, estou deitado, Jim está de joelhos, ao meu lado, encarando-me com seus grandes olhos castanhos.
一 Nunca fui feliz, garoto.
一 Mas, o senhor é rico. Pode comprar um parque de diversões e brincar o tempo todo.
一 A felicidade não funciona assim para os adultos, Jim. Sempre queremos conquistar mais e mais. Somos famintos por poder, achando que aquilo preencherá o vazio que carregamos em nossas almas. Porém, o buraco no peito apenas aumenta cada vez mais.
一 Eu vou ter esse buraco no peito? 一 Jim olha-me assombrado.
一 Não. Você é uma criança muito doce e pura. Não acho que terá um buraco em seu coração.
一 Mas, quando a gente se conheceu, você disse que eu seria um adulto igual a você.
一 Eu já nem sei mais quem sou. O que eu fui durante toda a minha vida? Apenas um fantoche do meu pai, controlado por cordas cruéis e invisíveis. Nem eu mesmo sei quem sou. Mas, você, Jim, parece que sabe bem o que fala. Diz seus sonhos infantis com tanta convicção, que tenho vontade de acreditar outra vez em contos de fadas.
Ele fita-me confuso. Decerto, nada entendera de meu monólogo.
一 A mamãe está muito doente 一 sussurra para mim. 一 Escutei a vovó orando para que a mamãe fique melhor.
Meus olhos se enchem de lágrimas, e eu achei que seria impossível, por causa da desidratação. Sinto uma dor familiar no peito. Quero dizer para ele que tudo ficará bem, que a sua mãe ficará curada, contudo, já vi esse filme antes. Passei por tal experiência na pele. Minha mãe, morrendo no hospital, enquanto meu pai estava em uma reunião de negócios, sem importar-se com a esposa moribunda.
一 Por que você está chorando, James? Não era para supostamente eu estar triste? Minha mãe ficará bem. Verdade.
一 Como pode ter tanta certeza? 一 as lágrimas caem pelo meu rosto. 一 Eu já perdi a minha mãe, garoto. É uma dor que não passa, acredite.
一 Mamãe acredita no Céu, e eu também. E eu sei que ela estará ao lado do Papai do Céu.
一 Uma criança não deveria dizer coisas assim. 一 afago a cabeça dele, bagunçando seus cabelos.
一 Isso é tudo o que sei. A alma dela viverá para sempre. É do papai que tenho medo. Ele é muito malvado e talvez nunca se arrependa. Queria que ele mudasse e não tivesse o coração tão duro. Mas, ele é tão teimoso. 一 Jim bufa, com as mãos nas bochechas. 一 Como posso salvar o meu papai?
一 Seu pai está bem de saúde, não precisa ser salvo.
一 O corpo está bem, mas a alma dele está doente. Por outro lado, você é quase igual a ele. Exceto, porque você chora. Nunca vi o meu papai chorar.
一 Não estou chorando. Caiu um cisco no meu olho.
一 Acho que posso salvá-lo, James. Ainda há tempo. Sei que você se perdeu um pouco no caminho, mas ainda tem jeito. Você não será malvado como o nosso pai.
一 Nosso... pai?
Jim sorrir para mim. Um sorriso cúmplice. Vejo-me espelhado nos olhos do pequeno infante. De repente, tudo faz sentido, assim como o amanhecer espelhado nas águas de um lago. A história de sua avó e mãe semelhante a minha, sua roupinha de marinheiro, o pai bravo e controlador, seu sonho em ser astronauta... Eu sou ele e ele era eu, procurando-me pelo caminho em que me perdi. A pequena parte da minha vida, que reneguei. A minha pureza que outrora deixou de existir. Voltou por mim, auxiliando-me naquele cruento deserto. Não quero que Jim vá.
Uma luz forte e radiante ofusca os meus olhos. Sinto o meu corpo estivesse sendo drenado. Faltam-me energias.
一 Não quero perdê-lo, Jim. 一 seguro em sua mãozinha.
一 Não vai me perder, James. 一 retira a gravata-laço e a coloca em minha mão. 一 Nunca me perderá. Eu sempre estarei contigo.
Em questão de alguns poucos segundos, abro os meus olhos. Estou em um ambiente completamente diferente. Um quarto todo branco, com sons de bip por todos os lados, um cheiro nauseante de remédios, e cateteres pregados em meus braços. Não é mais o deserto. É o hospital.
E Jim? E tudo aquilo que vivenciei e conversei com ele? Fora ilusão de minha mente perturbada?
一 Oh, graças a Deus, acordaste. 一 é a Sra. Jones, que está com uma cara de choro.
一 Quanto tempo... eu... 一 não consigo falar. Minha garganta dói.
一 Ficastes 50 dias desaparecido, Sr. Smith. Fizeram buscas pelo senhor no trajeto pela estrada que cortava o deserto. O motorista confessou o crime, disse aos policias que cortou os freios do seu carro, pois queria-o morto por ser um mau patrão. Foi preso. Conseguiram resgatá-lo seguindo os rastros dos destroços da Lamborghini. Encontraram-no há pouco tempo, desacordado.
50 dias? Não pode ser!
Reflito em tudo que a Sra. Jones relata, sentindo uma afiada dor de cabeça. Apenas posso garantir que estou vivo e bem.
***
Levei alguns dias para que eu pudesse retomar à empresa. Vejo a vista da cidade pela vidraça do meu escritório, e tudo tornou-se diferente depois da travessia do deserto. Estou com escoriações, lesões nos joelhos e braços, hematomas, mas algo está diferente dentro de mim. Uma metamorfose aconteceu.
一 Sr. Smith, tenho uma coisa para lhe entregar. 一 a Sra. Jones adentra o meu escritório.一 Não quis lhe dizer no momento, pois ainda estava recuperando-se, mas quando encontraram-te no deserto, acharam isso contigo.
Entrega-me uma gravata-laço vermelha. A mesma que o pequeno Jim usava pregada em seu suéter azul-escuro. Fecho-a em minhas mãos. Um sentimento de saudade aglomerado em meu peito. Não, aquilo não foi ilusão. Foi real. Uma experiência que guardarei para sempre em minha vida. Às vezes, é preciso enfrentar o deserto árido, para encontrar-se no caminho, para rever uma parte de nós mesmos que ficou para trás, e que nos recusamos a aceitar.
Só é preciso fechar os olhos e acreditar. Olho para os céus. As nuvens brancas preenchendo o céu azul. Obrigado, Deus, por fazer-me reencontrar-me no caminho. O que estava perdido, outrora foi achado. E eu não abrirei a mão disso. Nunca mais.
FIM
3660 palavras
* Fato divertido: Jim é apelido para James.
Entendo amada! A paz do Senhor e que DEUS a abençoe!
ResponderExcluirA recompensa do que fazemos para a obra de Deus muitas vezes não são dadas nessa vida e ainda que seja poco ou apenas para uma pessoa no final tem uma recompensa da parte de Deus.As coisas de Deus são assim, as vezes não vemos a recompensa dos feitos mas isso não significa que não existam.. Continue seu trabalho e não desista. Pode parecer pouco como parece poco quando semeamos em meio a tristeza mas no dia que os frutos brotam se colhe com alegria. Fique na paz..
ResponderExcluirDesculpe, nada para postar? Vc tem um blog para falar de Jesus! A palavra dele se renova sempre! Como acha que a Biblia sendo um livro antigo continua tão atual?
ExcluirTalvez o qe falte [é você orar mais pedir direção a Deus se levantar
Vamos ser julgado por obras não pecados, porém temos que ter em mente o que estamos preparando para Ele.
Eu paro várias vezes cm o blog mas nunca desista dele. DÊ um tempo se achar necessário mas não desista pr causa de ninguém. A obra não pode parar!Busque a Deus e Ele vai te dar a direção.
Bjs!
Crys, acabei de conhecer seu blog.
ResponderExcluirE passei pela mesma situação... Criei o blog no intuito de divulgar a palavra de Deus, e também de conhecer outras meninas, que buscassem o mesmo objetivo.
Com a rotina e a falta de tempo, acabei esquecendo um pouco meu amor pelo blog.
Mas retornei recentemente, porque percebi o quanto me faz falta, e o quanto amo este cantinho!
Que Deus abençoe sua vida, e que voce seja sempre usada por Ele, seja aqui no blog, ou na sua vida diaria.
Beijos enormes!
futura-noiva.blogspot.com.br
Espero que tudo na sua vida se resolva! Que 2017 e os próximos anos sejam mais coloridos e doces. Que suas palavras não deixem de nascer. Que você esteja firme já graça e que a graça te encha de um algo novo. Você ficará na memória e no meu coração. Beijos
ResponderExcluirOlá, Sandreanny conheci seu blog ontem e me apaixonei pelas postagens,graças à Deus que você o deixou ativo, mesmo sabendo que você não postara mais mensagens e que talvez não Leia esta mensagem, fui pesquisar algo e sem querer acabei encontrando seu blog e acabei ficando nele por horas lendo as postagens, o que me ajudaram muito, é realmente triste saber que as coisas feitas para Deus estão sendo deixadas de lado, mas desejo que Deus continue usando a sua vida de uma maneira muito especial! Que Deus abençoe você e sua família. assinado: Leitora mais recente do blog
ResponderExcluirOlá! Conheci seu blog hoje e gostei bastante! Você está equivocada quando diz que ninguém se interessa por esse tipo de plataforma, eu particularmente adoro ver a explicação das passagens da bíblia porque às vezes não consigo decifrar algumas mensagens sozinha. Passei horas procurando um blog sobre mensagens de Deus até encontrar o seu. Se você tem um dom de transmitir essas mensagens acredito que não deva desistir, a recompensa é o galardão que terá no céu. Escreva quando se sentir disposta, inspirada, não faça disso uma obrigação. Muitas pessoas estão sedentas para ler uma palavra de conforto. Te desejo paz e que Deus te abençoe.
ResponderExcluirto viciada nos seus contos, na real.
ResponderExcluiresperando a próxima joia.
Nossa senhora da bicicletinha que conto magnífico!!
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